"Tati" tinha tudo. Restaram os fantasmas

“Tati” nasceu em berço de ouro. Filha de uma dentista, brasileira, e um empresário, argentino, sempre teve todos os desejos terrenos atendidos. Morava em uma bela casa. Andava de carrão. Usava roupas de grife e estudava em colégio de freiras. Mas isso, somente até os 16 anos. Momento em que a “casa caiu”. “Tati” começou a namorar um sujeito, deveras, esquisito. Na verdade, um traficante. Desconfiada das aventuras perigosas da filha, a mãe, armou uma emboscada. E flagrou a menina embalando quase 40 quilos de maconha. Ao seu redor, maços de dinheiro a serem contados. Ali, a adolescente começava a dar adeus a vida de bacana. Mal sabia ela que, adiante, cairia em cana três vezes. Viraria garota de programa e, ainda, perderia o amor das três filhas.
Nascida em Foz do Iguaçu, em 1973, “Tati” – nome de guerra utilizado na antiga profissão de mulher da vida -, deixou o Brasil rumo a Buenos Aires, ainda aos cinco anos. Lá, estudou em colégio particular. Com carreiras promissoras, os pais sempre ganharam bem. Garantindo o sustento e as regalias da menina e de sua irmã, cinco anos mais velha. Mas na adolescência, conheceu quem não devia. E as coisas só pioraram. “Me apaixonei por ele. Não sabia que era traficante. Mas, quando vi, já era tarde demais. Além de apaixonada, já estava viciada e o ajudando a vender a droga”, relatou.
“Tati” então deixou a casa, na adolescência. Literalmente, foi adotada pelo traficante. Viciada em cocaína, começava agora uma “carreira” sem voltas. Numa noite, a polícia chega chutando tudo. Ela e o companheiro caíram pela primeira vez. Mas, dias depois, foi posta em liberdade. Estava grávida. Aos 23, caiu pela segunda vez. E aos 25, pela terceira. Ao todo, foram quase quatro anos de cadeia. Tempo suficiente para a vida desmoronar.
“Quando sai da cana, já tinha perdido tudo. Não tinha mais casa, nem carro. Perdi o companheiro e até minhas filhas”, disse. “Desvairada” pelo destino, ela agora contava com a própria sorte, uma vez que a irmã havia se afastado. “Tati” também não podia mais contar com os pais. Segundo ela, a mãe, bebendo cada dia mais, acabou morta num acidente de carro. O pai, morreu, vítima de câncer. Tudo até os seus 22 anos.
Precisando de grana para sobreviver, “Tati” decidiu se transformar em mulher da vida. Dias depois de deixar a penitenciária de Buenos Aires, adentrou ao mundo da noite. Por oito anos, rumou de boate em boate, sempre bebendo e usando cocaína. O dinheiro que entrava, era o mesmo que também saía, na mesma velocidade. A última casa que conheceu foi em Córdoba, na Argentina. Lá, a polícia fechou o cerco e lacrou as portas. “Fomos obrigadas a sumir de lá”, conta.
Em 2014, se cansou dos “Hermanos”. E seguiu viagem ao Brasil. Parou em Puerto Iguaçu. E, de lá, caminhou até Foz. Com duas amigas paraguaias, traçou um plano para chegar a Caçador, em Santa Catarina. Uma boate aguardava as três. “Quando chegamos, decidi que não queria mais aquela vida. Minhas amigas foram à boate. Eu, acabei num albergue”, disse. Após pernoitar no abrigo, conseguiu passagem e retornou, agora, a Cascavel.
Na capital do Oeste paranaense, conheceu um novo companheiro, com quem viveu por três anos. Ela chegou a trabalhar como doméstica e cuidadora de idosos. Mas as coisas não duraram muito. O sujeito se viciou em crack. “Eu vi que ali era hora de parar com meu vício. Saí de lá e busquei ajuda”, revelou. Agora, “Tati” virava uma espécie de nômade. De cidade em cidade, buscava compaixão para largar a cocaína. E o álcool, seu mais novo companheiro. Por algumas vezes, para não dormir na rua, se aventurava em “zoninhas de baixo meretrício”. Ela ganhava doses de álcool e sempre uma cama para dormir. “Programa mesmo eu não fazia”.
Tudo deu errado. Segundo ela, nenhuma prefeitura do Paraná – nas cidades pelas quais passou -, ofereceu ajuda para o seu tratamento. “Eu fui atrás de ajuda. Sempre recebi um não na cara”, disse. Mas há uma semana, o vento soprou de uma forma diferente. Ao chegar em Campo Mourão, soube da Casa de Passagem cuidada pelos freis Franciscanos, da fraternidade, o Caminho. Ali, recebeu as palavras corretas. Então, um novo caminho passou a ser trilhado. Hoje, aos 47 anos, “Tati” aceitou sentar-se em uma mesa com este repórter, e contar sua história. E ela já sabe o que deseja: libertar-se do vício da cocaína e do álcool. Nos próximos dias, será encaminhada a um lar dos freis, em Cascavel.
A mulher de tranças rastafari, de múltiplas cores, unhas pintadas em amarelo e branco, contou sua jornada de modo bastante sereno. Por muitas vezes, sorriu. Mesmo com vergonha – a ela faltam alguns dentes. Mas, no seu interior, ainda existem mágoas a serem curadas. Como a distância das três filhas. “Eu converso com uma delas. As outras não querem saber de mim”, disse. Segundo “Tati”, elas continuam sob as asas do pai. “Tati” sabe que o passado não se apaga. Mas o simples fato de querer ser outra pessoa, já é o início de tudo. Ou, o tudo de um novo início.
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