Édina luta na justiça por se sentir injustiçada na Casa de leis
Ela tinha 39 anos quando prestou concurso público à Câmara Legislativa de Nova Cantu. Na ocasião, 2024, foi aprovada como Contadora. Mas, mesmo ansiosa em desenvolver o trabalho, o qual estudou e se aperfeiçoou, acabou em outra função: controle interno. O novo cargo também lhe rendeu outras novidades. A começar, com um salário menor, diferente ao edital ao qual foi aprovada. A sua insatisfação era apenas o começo de tudo o que viria a seguir. Segundo ela afirma, foi perseguida, efetivando o que se chama de assédio moral. E por fim, uma demissão bastante controversa: por abandono de trabalho, mesmo com atestado médico validado até março deste ano.
Moradora de Palmital, Édina Luciana dos Santos Simiano está com 40 anos. Trabalha desde os 13. Mas jamais imaginou ter que buscar tratamento psicológico e, mais adiante psiquiátrico, frente a um emprego. Hoje, amparada por medicamentos e médicos, busca na justiça reparações morais e trabalhistas. Segundo ela mesma afirma, danos ocasionados por pessoas do meio político. Que não aceitaram que ela, no exercício das atribuições do controle interno, tendo solicitado via memorando, documentos de um processo licitatório, tivesse acesso aos mesmos para verificação de sua regularidade.
A servidora começou a atuar junto aos edis de Nova Cantu - município de pouco mais de sete mil habitantes - em maio do último ano. Chegou disposta a trabalhar. E, consequentemente, a melhorar o ranking de transparência do legislativo municipal. "Quando eu entrei, a Câmara estava na posição 351 de transparência dos 399 municípios do Paraná, junto ao Tribunal de Contas. Eu entrei determinada a melhorar o quadro", explicou.
Então, como morava distante, passou a acordar as 5h da manhã. Pegava o carro, andava 50 quilômetros em estradas de terra, chegava a Roncador e, após mais alguns trechos, "ancorava" em frente à Casa de leis. Durante as primeiras semanas de trabalho, a dedicação foi integral, chegando a trabalhar sábados e domingos (home office). E tudo, para buscar a melhora no índice de transparência.
Enquanto se dedicava, ela também enviava requerimentos ao presidente da Câmara, Tiago Elicker Raymundo. Ela queria atuar como Contadora e, consequentemente, ganhar o que estava no edital do concurso em que foi aprovada. Mas, segundo ela, os requerimentos jamais foram respondidos. "Me diziam que o que valia era o segundo edital que me mostravam. E não o primeiro, em que me espelhei ao fazer o concurso, cujo documento encontrava-se na página da empresa que fez o concurso, o qual até hoje está disponível quando se busca informações na mídia sobre o concurso e, que com certeza é o único edital conhecido por aqueles que prestaram o concurso ", disse.
Mesmo em outra função e com salário menor que o prometido, ela continuou trabalhando. E, "ao analisar a compra de equipamentos de informática, através de uma licitação, observei que os valores eram maiores que os praticados no mercado. Depois disso, a minha vida ali dentro virou um inferno", afirmou ela.
Presume-se que, após saber das pesquisas junto a tal licitação, estas teriam motivado o presidente do legislativo a marcar uma reunião. Além dele e de Édina, mais outros servidores. E ali, numa espécie de "inquisição", conforme relatado, Édina teria sido motivo de risos, ironias e chacotas. "Também me senti ameaçada. De certa maneira, eu como responsável do controle interno, infelizmente, vi coisas que não poderia ter visto. Muitas coisas erradas. E este foi o motivo de tudo o que viria a acontecer após aquela reunião", relatou ela.
Édina explica que o presidente da Câmara, naquela reunião, a expôs frente aos demais servidores. O que, de certa maneira, não poderia ter acontecido. "Ele me indagou sobre alguns requerimentos meus, de cunho particular. Disse a ele que preferia não responder ali, porque não me sentia bem na frente dos outros", lembrou ela.
AJUDA PSICOLÓGICA
Se sentindo oprimida, Édina passou a adquirir crises de ansiedade. Então, buscou ajuda médica. E acabou ganhando um atestado médico de 15 dias, aceito pelo presidente. E, enquanto se resguardava em casa, à sua surpresa, mais uma vez, a Câmara publicou atos do presidente em 26 de junho tirando Édina da função e designando um outro servidor ao cargo, Mirivaldo Costa. Mirivaldo também é concursado como técnico de contabilidade. Mas ao aceitar o novo cargo, passou a receber uma gratificação de 40% sobre o seu salário. Ou seja, a grana que Édina pedia por direito e não conquistou, veio rápido demais ao "colega".
Apenas como relato, Mirivaldo foi apontado, em 2016, pelo Tribunal de Contas do Paraná, como um dos culpados por irregularidades identificadas em dois termos de parceria do município de Braganey, com o Instituto de Desenvolvimento e Integração do Bem Estar Social e Cidadania de Corbélia (Indecorb). Ele era o presidente do órgão, entre os anos de 2005 a 2013. À época, Mirivaldo teve que devolver solidariamente ao lado do prefeito, R$352 mil aos cofres públicos.
Sem condições para retomar o trabalho, ainda mais após as notícias de que seu cargo agora, não era mais seu, Édina conseguiu mais 60 dias de atestado médico. E mesmo enviando o documento à Câmara, o presidente o indeferiu em 11 de julho. "Ele indeferiu o documento e ainda determinou a avaliação dela por um médico perito oficial do município. Então em 25 de julho, a perícia médica indicada por ele, sugeriu uma avaliação, agora, psiquiátrica. Mesmo assim, o presidente, contrariando dois médicos e a si próprio, achou por bem indeferir o atestado, determinando o retorno imediato de Édina ao trabalho", disse o advogado de Édina, Douglas Alex Ferreira.
Com tremores e crise de pânico, Édina não retornou ao trabalho. E por um simples motivo: ela não possuía condições psicológicas para tal. "Quase fui agredida lá dentro. Sofri muitas humilhações. Eu tinha que buscar ajuda e me fortalecer psicologicamente", disse ela. Então, atendendo a sugestão do médico perito da junta oficial do Município de Nova Cantu, a mesma procurou pela Saúde Pública do Município de Palmital, onde reside. Sendo encaminhada ao Ambulatório Médico de Especialidades – AME de Guarapuava.
Após atendimento no AME pela psiquiatra Natália Costa Cotlinski, Édina foi encaminhada para atendimento no QUALICIS. Ali passou a ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar. Em consequência deste atendimento, ganhou mais três atestados, sendo o último de 180 dias - válido até março de 2025. Acontece que mais uma vez, o legislativo não aceitou tais documentos. Alegando que leis municipais a obrigavam a aceitar a indicação de médicos apontados apenas por eles.
Então, cumprindo a determinação da médica psiquiatra e, com o atestado em mãos, ela permaneceu em casa, não mais retornando à Câmara. Até chegar o golpe fatal: Édina foi demitida por abandono de emprego em 18 de dezembro.
Acreditando não ter seus direitos trabalhistas respeitados, Édina adentrou à justiça contra a Câmara de Nova Cantu e contra o ex presidente da mesma. Ele não é mais vereador. Concorreu na última eleição a vice prefeito. E perdeu. Ela deseja reparações por tudo o que sofreu. O caso segue tramitando.
ÉDINA
Aos 13 anos, Édina trabalhou como empregada doméstica. Aos 18, como instrutora de informática e balconista de loja. Aos 19, foi escriturária no Banco do Brasil. Aos 21, auxiliar de contabilidade pública até abril de 2024. A partir de maio de 2024, após aprovação em concurso público, passou a ser servidora da Câmara Municipal de Nova Cantu. Ela é contadora, com pós graduação em contabilidade, auditoria e controladoria. Mas está sem emprego. Pelo menos, até que a justiça analise o seu caso.
Em tempo: a árdua missão e dedicação de Édina em melhorar o ranking de transparência da Câmara de Nova Cantu, deu resultado. A Casa de leis deixou a posição 351, em 2023 - 39,66% - para ocupar até o último ano, o número 128 - agora com 89,14%.
Além de buscar apenas o que é seu por direito - dinheiro não pago e uma demissão, no mínimo a ser revista - ela também fez o seu papel como cidadã. Muitas irregularidades as quais descobriu e teve acesso, acabaram denunciadas à polícia e ao Ministério Público.
TIAGO ELICKER RAYMUNDO
NOS HUMANOS conversou esta semana com o ex presidente da Câmara de Vereadores de Nova Cantu. Segundo ele, a servidora sempre se mostrou uma boa profissional, chegando a elevar o ranking da transparência da Casa junto ao TCE. No entanto, observou que o grande erro de Édina foi a falta de diálogo.
"Ela não se dava bem com os outros servidores. E daí, tudo acabava caindo no meu colo. Por vezes, também, indiretamente, tentava algumas medidas sem consultar ninguém", disse. Sobre a tal licitação, onde Édina teria encontrado irregularidades, Tiago revelou que nada foi passado a ele. "Temos gente lá dentro pra fiscalizar isso. Não cabia a mim. Mas acho estranho isso. Tive todas as minhas contas aprovadas".
Em relação aos atestados por ele indeferidos, contou que os médicos a assinarem os documentos teriam que ser indicados pela Câmara. "Quando o médico do município orientou que ela deveria ser encaminhada a psicólogos, ele não disse que ela deveria ficar em casa. Foi por isso que solicitei que voltasse para o trabalho. E lá, retomaríamos a escolha de outros profissionais. Tanto é que marcamos por duas vezes a sua ida até Campo Mourão. Mas ela não compareceu", disse. Édina explicou que não compareceu porque já estava sendo atendida por especialistas de Guarapuava.
"Eu particularmente não tenho nada contra a servidora. Só acho que ela queria ganhar sem trabalhar. Também explicamos a ela que o edital que ela tinha visto foi republicado, agora, com salario um pouco menor. Mas ela nunca entendeu isso. E quando oferecemos gratificação de 40% a ela, não aceitou. Ela queria 100%", disse ele. Édina diz que Tiago mente. "Eles nunca responderam meus requerimentos sobre isso. Se tivessem oferecido os 40%, é claro que eu teria aceitado. Ele mente descaradamente", apontou.
Por fim, sobre a sua demissão em dezembro, Tiago diz que Édina não compareceu mais ao trabalho, desde julho. E por esse motivo, constatou abandono de emprego. A grande discussão ao entorno da questão, que agora cabe a justiça, é definir se o atestado, mesmo de uma médica não recomendada pelo município, teria validade para o afastamento da servidora.
Cabe também relatar que, um atestado anterior, de um médico de Palmital, com validade de 60 dias, também indeferido pela Câmara, acabou sendo aceito por intermédio da justiça. Ao ser julgado, desembargadores entenderam que sim, o documento mantinha todas as condições de ser aceito. Com isso, a Câmara teve que voltar atrás, o aceitando.
Este site também contactou o procurador jurídico da Câmara de Vereadores de Nova Cantu, o advogado Marcelo Rosolen. Mas ele disse não poder colaborar com as informações, pincipalmente, por se tratarem de documentos sigilosos.
MIRIVALDO COSTA
Mirivaldo atua na Câmara de Nova Cantu há oito anos. Para ele, a servidora em questão era uma boa profissional. Mas, um tanto "briguenta". "Uma pessoa que briga com todos os funcionários com menos de 30 dias, o problema é ela", disse. Para ele, Édina queria comandar a Câmara. "Chegou hoje e queria sentar na janela", disse ele.
Mais especificamente, Mirivaldo relata posicionamentos "arbitrários" da colega. Como por exemplo, querer alterar pareceres de licitações. "Eu nunca aceitei isso. Por vezes ela tentou mudar. Mas avisei que aquela era a minha forma de fazer o documento".
Ele diz que, desde sua chegada à Câmara, como técnico contábil, jamais teve uma conta de gestor desaprovada pelo Tribunal de Contas. No entanto, em contraposição a isso, ele é identificado no próprio tribunal com quatro ações de "dano" ao patrimônio público. Restrições de anos antes, quando comandava uma OSCIP - Organização de Sociedade Civil de Interesse Público, em Corbélia.
"Todos os municípios que fizeram parceria com OSCIP tiveram problemas com o TCE do Paraná. Mas está sendo tudo resolvido. E tudo por causa dessa fria que eu entrei. Não houve dolo. Os serviços foram prestados", afirmou. Segundo ele, se tivesse roubado dinheiro não estaria na ativa ainda. "Estaria na praia. Tenho 68 anos e trabalho porque preciso. Percorro mais de 100 quilômetros da minha cidade até Nova Cantu para trabalhar. E gasto dinheiro do combustível do meu bolso", afirmou.
Quando adentrou ao cargo, em Nova Cantu, Mirivaldo foi denunciado pelo próprio presidente da Câmara de Nova Cantu. Na época ele enviou questionamentos ao TCE para saber se o servidor poderia ali trabalhar, frente aos processos a que respondia. Hoje, de acordo com o Tribunal, Mirivaldo tem que devolver quase R$8 milhões.
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