Ari, o homem que comprou um túnel
Em meados de 2000, Ari deu a notícia à família: “Comprei um túnel”. Surpresa, a turma nada entendeu. Afinal, ele poderia ter adquirido um carro ou um apartamento. Um terreno ou um consórcio. Uma casa ou qualquer outra coisa. Mas um túnel, definitivamente, ninguém compreendeu. Quem, ora bolas, compra um túnel? Qual a serventia? As perguntas, naquele momento, não foram respondidas nem por ele mesmo. Seriam sim, anos depois, após receber misteriosamente, a “visita” ainda incompreendida de um homem que, certamente, jamais existiu.
Na verdade, Ari adquiriu o túnel em um leilão. Construído em 1883 e, inaugurado em 1885, a obra servia para que o trem de Curitiba atravessasse um morro. Aliás, a primeira viagem ali foi com a Princesa Izabel. No entanto, com apenas três metros de largura e cinco de altura, acabou desativado em 1969, principalmente, em virtude de novos trens serem maiores. Por fim, um novo túnel foi construído, exatamente ao seu lado.
Como já tinha um pequeno sítio margeando a obra, em Piraquara, região metropolitana de Curitiba, Ari soube, ainda em 1999, sobre o leilão do túnel. Pronto. No dia só apareceram duas pessoas: Ari e o próprio leiloeiro. A compra estava feita. Agora, ele era o proprietário de um “buraco” de 430 metros escavado em meio à Serra do Mar. E estava feliz. Só não sabia o que fazer com aquilo.
Sem planos, principalmente, porque não haviam planos, cinco anos depois da compra, em 2005, Ari vê um homem sair do túnel. Sem o conhecer, o sujeito veio em sua direção. Parou e disse: “Você tem aqui algo especial demais. Algo difícil de encontrar no mundo. Pode fazer daqui uma cave para produzir espumantes”. A partir daquele momento, Ari percebeu estar diante de uma grande possibilidade de negócios. O problema é que, aquele homem jamais existiu. “Eu simplesmente não me lembro dele. Não o toquei. Não sei se foi um sonho. Ou se um anjo me apareceu”, revelou.
Seja o que a psicanálise diga – Ari passou por várias sessões após a visão -, o fato é que, após receber a visita incompreendida, a vida mudou. Buscou estudos que comprovaram a eficácia do túnel para a fabricação de espumantes. O principal deles consiste na temperatura média interna, de 17 graus. Além disso, a inclinação propicia uma ventilação constante, com ventos da Serra do Mar. Confirmada a viabilidade para acomodar o líquido, restava agora um único problema: comunicar a família que ali seria uma cave. A Cave Colina de Pedras.
Pai de dois filhos e casado com Rosi Mari, Ari que, até então jamais havia tomado espumante e não entendia bulhufas de como produzir nada, os desafiou em tudo. Aposentado pelo Banco Bamerindus, iniciou uma luta em favor de seu sonho. Para isso, estudou e fez parcerias com produtores de uva do Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, fez empréstimos, vendeu imóveis e colocou a cabeça em perigo. Primeiro com a própria família. “Quando vimos ele vender quase tudo para investir ali, pensamos em interditá-lo”, disse Rafaelle, o filho.
O próprio Ari pensou diversas vezes em desistir. “Muitas vezes me desafiaram a parar com tudo. Amigos, familiares e gente que eu nem conhecia. Por algumas vezes pensei em desistir. Mas, mais uma vez, tive uma presença de luz. Conversei com Deus e ele disse que não era para eu escutar a voz do povo. Mas a dele. Vá em frente me disse”, relatou.
Então, sentado sobre os trilhos, olhando para o túnel, nem mesmo as negações e adversidades foram mais fortes que o próprio sonho. A jornada foi definitiva após uma conversa séria, ao pé da orelha, cara a cara, com a esposa e os filhos. “Chegamos a conclusão que devíamos ajudá-lo. Ficar ao seu lado. Enfrentar juntos os desafios. Era o momento de arregaçar as mangas e partir juntos com o sonho dele. E foi o que fizemos”, lembrou Rafaelle.
Juntos, após investimentos por dez anos, a Cave Colinas de Pedra iniciou as primeiras vendas em janeiro de 2015. Hoje são quatro espumantes da marca Tunnel: nature, brut, brut rose e extra brut. Como a região não produz uva, a família Portugal optou em comprar o suco do Rio Grande do Sul. O restante da produção é todo feito ali. Após a vinificação, as garrafas são armazenadas no próprio túnel, onde cabem cerca de um milhão delas.
De mãos dadas, Rosi se aposentou como professora de cálculo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e agora, cuida da cozinha. Os molhos são perfeitamente “calculados”. Não há erros. Rafaelle, que já foi dono de lavanderia, loja de celulares e, por último, trabalhou em hotelaria nos Estados Unidos, agora leva o trabalho da Cave – espumantes - até para casa. É ele hoje quem faz a recepção dos clientes, conta a história do local e, dentro do túnel, faz um verdadeiro cursinho sobre o líquido.
A propriedade é na verdade um cenário francês. Ao pé da serra, os visitantes são recepcionados numa antiga estação de trem, toda reformada. Durante as boas vindas, a conversa é pausada devido ao barulho da ferrovia. Até parece um congestionamento de trens. Em seguida uma caminhada até o túnel. No caminho, fotos de uma litorina estacionada sobre trilhos ali colocados, também comprada pela família.
Na volta do passeio, todos são convidados a uma degustação de espumantes. No prédio da estação ferroviária, um verdadeiro banquete, assinado por Rosi Mari, é servido. Comida boa, bom gosto, harmonizando com os espumantes Tunnel.
Já Ari é o grande anfitrião. Além de aprender a fazer o espumante, também descobriu o prazer em saboreá-lo. Um líquido dos deuses. Durante a visita dos clientes lá está ele com sua taça em mãos. No restaurante da Cave, durante a degustação, faz questão de falar com todos. Quer saber as impressões, conhecer as pessoas, contar a história de seu sonho. E ele enfatiza: “Jamais desista dos seus sonhos. Não deixe que ninguém os destrua. Vá em frente”, afirma.
Hoje, o descendente de portugueses não só colocou em prática o que sonhou, como está iluminado com o que faz. É visível a sua felicidade, assim como de toda a família. Com o sorrisão estampado no rosto, conquista cada um dos clientes que, acabam deixando o lugar como amigos. E o reflexo dessa alegria está nas atitudes. Dias desses recebeu uma proposta milionária para vender a Cave. “O que é que eu vou fazer com tanto dinheiro. Estou feliz assim, vendo os clientes e tomando o espumante. Isso aqui não tem preço”.
Serviço – Você pode fazer uma degustação na Cave Colina de Pedras com reservas antecipadas (041) 99667 – 5000 (whatsapp). Visitação aos sábados e domingos. A cave não só é a única do Brasil como uma das poucas do mundo.
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