As ruas de Sandro e Rex

As ruas de Sandro e Rex
Por: Dilmercio Daleffe

Era uma manhã de sábado. Sentado ao lado de um muro, um homem se alimentava de um “sanduba”, generosamente cedido por uma família da área central de Campo Mourão. Faminto, repartia a única comida com “Rex”, seu cãozinho, companheiro das ruas há dois meses. A cena foi de cortar o coração. Juntos, os dois sobrevivem sob marquises. Têm apenas um ao outro. “Tudo o que eu ganho reparto com ele. É muito especial pra mim”, disse.

Sandro conta que nasceu e, sempre residiu, ao lado do pai, em Barbosa Ferraz. A vida desmoronou em 2016, depois da morte do genitor. Morava numa casa confortável. Época em que tinha chuveiro quente. Uma cama macia. Comida à mesa. Tudo se foi. Ficaram as ruas. E, mais recentemente, o mundo.

Trata-se de um homem de 32 anos, bem esclarecido, com bom vocabulário. Conta que possui problemas psiquiátricos. Bipolaridade. Depressão. Toma remédios. E, mesmo com eles, já tentou o suicídio por cinco vezes. A última, em Londrina, em 2020. As marcas no corpo evidenciam o drama travado. E são muitas as cicatrizes.

Sandro estudou até o segundo ano do segundo grau. No passado, já trabalhou no corte de cana, em açougue, padaria e até, como auxiliar de enfermagem. Também fazia trabalho voluntário no hospital de Barbosa Ferraz. Mas hoje, tudo mudou. Sem renda, dorme no tempo. Há mais de uma semana não sabe o que é tomar um banho. E ele não está feliz com a sua situação. Ao contrário. Tem vergonha.

Em 2013, desejando conhecer o mar, traçou o próprio destino. A pé, com uma mochila, caminhou até Marília, no interior de São Paulo. Lá conheceu um nômade das estradas. E, juntos, chegaram ao litoral paulista. Na volta, pararam na cidade de São Paulo. E não prestou. Passou a morar num albergue. Conheceu quem não devia. Foi apresentado ao crack. Teve passagem de graça ao inferno.

“Quando vi, já estava na cracolândia. Nunca morei lá. Mas fui por algumas vezes. E vendo aquela população, que pra mim, eram como zumbis, a ficha caiu. Deixei São Paulo e voltei pra casa do meu pai”, disse. Sandro revelou que a vida perdeu o sentido após a morte do genitor. Foi então que ganhou as ruas. E, se a depressão já o atingia, agora, o destruía.

Embora à mercê de tudo, Sandro tem a mãe viva – ele carrega duas tatuagens com o nome dela. Ela mora em Iretama, com o padrasto. Mas problemas entre ele e o marido da mãe acabaram o afastando. Também mantém quatro irmãos. “Gosto muito deles. Queriam me tirar da rua. Mas não quero dar problemas a ninguém. Já os machuquei muito”, explicou, se referindo as drogas.

Sandro não quer as ruas. Segundo ele, precisa de uma oportunidade. Deseja emprego e um local para morar. “É difícil alguém me dar uma chance. Principalmente, olhando ao estado em que me encontro. Desse jeito, ninguém acreditará em mim. Estou na merda. E isso é muito triste”, disse.

Por vários momentos Sandro se emocionou. E chorou durante a conversa. E não é para menos. Na sua panaceia, vê a vida dos outros caminhar à frente, enquanto a dele, numa marcha ré constante. Transita entre humanos sem ser percebido. Tornou-se uma espécie de invisível social. E isso, definitivamente, nunca foi o que quis. Se antes o trabalho se revertia em dinheiro, hoje, busca objetos na rua para trocar por comida. Comida para repartir com o amigo, “Rex”.

E, mesmo refém da depressão, e morando sob marquises, Sandro diz ser feliz. “Acordo todos os dias agradecendo por mais um dia. Eu sou feliz. Estou vivo. Minha vida tem muito valor”, diz. Ele se despediu do repórter e, em seguida, buscou uma das esquinas da cidade. Lá, ao lado do amigo, iria pedir mais um pouco de comida. A fome ainda ardia.


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