Belmiro sonha através dos pincéis

Belmiro sonha através dos pincéis
Atualmente, Belmiro mora em Cascavel
Por: Dilmercio Daleffe

Campo Mourão. Final da década de 70, início de 80. Num corredor, ao lado do Cine Plaza, um adolescente de 17 anos pintava ilustrações dos filmes que entrariam em cartaz. Era Belmiro Santos. Desde cedo, já demonstrava um talento nato. Alguns dos cartazes continuam na memória dos mais velhos, até hoje. Um tempo difícil de ser esquecido. O que ele não sabia, no entanto, é que, anos mais tarde, se consolidaria como um verdadeiro artista plástico, recebendo prêmios nacionais. Belmiro é bem mais que um artista. Um ser atrevido, intrépido. Acima do seu tempo. Um mestre com os pincéis. Sábio nas palavras. Humilde como homem.

Belmiro nasceu em Araruna, nos idos de 62. Os pais sempre foram ligados à lavoura. Mas, com a preocupação de que os dois filhos estudassem, decidiram mudar à cidade. No caso, Campo Mourão. O menino já desenhava, por todo o canto. Foi então que uma vizinha notou o talento e indicou que procurasse o Cine Plaza. Lá, a direção contratava pintores. “O talento me descobriu. Se é que ele existe. Antes que eu visse o cinema em si, vi as pinturas exibidas na frente do cinema. E isso me atraiu incrivelmente”, disse.

Contratado, Belmiro passou a trabalhar num longo e estreito corredor. Uma espécie de garagem do próprio prédio. Esticava algodão cru em um grande chassi de madeira, como uma tela e pintava o fundo em látex branco. Cada pintor mantinha sua técnica. Mas era basicamente isso, látex sobre tecido. Com o tempo, principalmente, com o processo de economia do cinema, as pinturas eram realizadas sobre um painel em madeirite. Um compensado grande, 4x2. “Usávamos sempre o mesmo. Depois da temporada do filme, cobria-se com branco e pintava-se outro cartaz”, lembrou.

Os cartazes impressos vinham de distribuidoras de filmes como a Embrafilme, Fama Filmes e Arco Iris. Os cinemas da época investiam nesta arte, que se tornou o cartaz pintado. Muitas vezes, recortado em madeira. Grandes painéis eram postos sobre as marquises das salas de cinema.

Como pintor do antigo cinema, Belmiro trabalhou de 78 a 81. Ele ainda guarda fotos de alguns cartazes. Uma época em que fotografar era difícil e caro. “Eu chamava o Foto Popular pra fotografar de vez em quando”, disse. Mas em 81, o cinema entrou em crise financeira, embora tenha mantido as atividades até os anos 90. Só que, agora, não mais investiam em painéis de pintura e sim, apenas com o material ilustrativo dos filmes.

Sim. A notícia em ser suavemente demitido, o abalou demais. Afinal, era o sonho de Belmiro ter a carteira registrada. Ainda mais, fazendo o que tinha por paixão. Mas, por outro lado, o ajudou, lançando-o ao mundo. Belmiro tinha planos de ir a Curitiba, ou São Paulo. “Mas eu esperava que um príncipe certo e muito belo, um dia chegasse na pacata Campo Mourão e me descobrisse. E honrosamente me levasse para a capital e o estrelato”, disse. Mas isso jamais aconteceu. Sua vida, após o Cine Plaza, aconteceu a duras penas. No dito popular, “na raça”. Para ele, tudo foi muito bom. Até mesmo a demissão, por incrível que pareça.

Belmiro tornou-se pintor do Cine Plaza, segundo ele, graças aos inúmeros pedidos ao Senhor São José, padroeiro da Catedral. “Não que eu precisasse de reza pra pintar. Tudo era fácil pra mim. Fazia como se já o fizesse há muitas vidas”, disse. Mas sabe como é, um empurrãozinho do santo sempre ajuda. E conseguir uma vaga de emprego naquele lugar, era quase impossível. “Eu precisava um emprego registrado”. Sua busca foi mais incessante, ainda, depois que alguém informou que o pintor do Cine Plaza ganhava R$5 mil por mês. Uma pequena fortuna, principalmente, no tempo dos muitos zeros. E, pra quem nada tinha, passou a ser o único objetivo da breve vida. No frigir dos ovos, unir o útil ao agradável.

Ainda aos 15, Belmiro se formou em Desenho Artístico e Publicitário, através do Instituto Universal Brasileiro. Nessa época, o menino já esbanjava técnica, que poucos conheciam. Provavelmente, ele teria protelado a decisão de ir embora. Não tinha condições financeiras para rumar sozinho. “Mas enquanto eu segurava um cartaz de 4 metros por dois e meio, fui informado da decisão sobre minha demissão”. Foi como se uma bomba tivesse caído.

Então, abalado pela notícia, no final daquela tarde foi embora a pé, e não de bicicleta, como de costume. Do nada, caiu numa das esquinas até chegar em casa. O discreto acidente o levou ao Pronto Socorro. Ficou engessado por três meses. Mais tarde, teve a indicação de consultar um médico em Curitiba, onde morava seu tio. Já era o ano de 82, quando ficou morando de favor. Criou coragem e encarou uma pensão no centro da capital. Dias depois, conseguiu outro emprego, permanecendo sete anos ali.

Ao todo, em Curitiba, foram duas décadas. Toda a vida, viveu da arte. Sua própria arte. Hoje, está aposentado por tempo de serviço. Embora continue trabalhando o tempo todo, com arte. Belmiro também se formou na Faculdade Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Depois, fez pós em Comunicação Audiovisual, pela PUC do Paraná. Mas, irreverente, ele não atuou apenas na pintura. Já fez de tudo. Escultura, modelagem, fotografia, eletrônica, Ilusionismo e desenho. “E continuo agora livre do fazer por encomenda. Criando coisas que gosto bastante”, disse.

Atualmente, mora em Cascavel, junto aos pais, idosos. “Precisamos nos unir para uns cuidar dos outros”, disse. No entanto, os pais ainda cuidam mais dele, do que o inverso. Hoje, aos 58, não casou e não possui filhos. Belmiro já fez muitas exposições com suas pinturas. Ganhou 12 prêmios. Ele possui formação superior em pintura. Alguns dizem que mantém uma arte impressionista. Mas ele questiona. Se vê mais como um artista expressionista, embora o cinema tenha o transformado em pop. E, como a arte é sempre inquietante, Belmiro continua sem freios. De certa forma, é uma espécie de oxigênio. Um vício sem cura. Ao bem da alma.

CONTATOS BELMIRO SANTOS: contato@belmirosantos.com/ www.belmirosantos.com.
Belmiro Santos Facebook/ Belmiro Santos arte Instagram/ Tel. (41) 99802 0873




Whatsapp Facebook Copiar link

Deixe seu comentário



Voltar