Diante de tanto amor, André acabou em outra família
Aos 40 anos de idade, André Lourenço não consegue explicar muitas coisas de sua vida. No entanto, sabe que, parte dela, acabou transformada pelo grande e incondicional amor de Luzinete, sua mãe biológica. Desejando que o filho crescesse com dignidade, longe dos perrengues da criação das outras duas filhas, conseguiu ajuda de vizinhos. Então, enquanto trabalhava nas feiras de São Paulo, o menino passava as manhãs e tardes sob os cuidados de Soeli e Antão. Parece incoerente, antagônico, mas o amor de Luzinete o levou à outra família.
André nasceu em São Paulo, em 1983. Foi o caçula de Severino e Luzinete. O casal deixou o sertão nordestino para tentar uma vida melhor na cidade grande, ainda na década de 70. O pai era o que se chamava de “marreteiro”. Vendia produtos diferentes em feiras. Já a mãe, comercializava roupas, sempre ao lado do marido.
Pobres e retirantes, as dificuldades de adaptação à São Paulo logo apareceram. E, sem poder contar com a ajuda de ninguém, as duas filhas cresceram em meio às feiras, entre caixas de madeira, de frutas como maçãs. Então, enquanto trabalhavam, desde as quatro da manhã, as duas ficavam ao seu lado, como podiam. E Luzinete jamais gostou disso. A bem da verdade, nenhuma mãe gostaria.
Em 1983, poucas horas antes de André nascer, a mãe estava em pé, trabalhando na feira. Ela não tinha escolhas. Era trabalhar ou trabalhar. Foi quando sentiu a bolsa estourar. Mesmo a correria até o hospital não foi suficiente para ter um parto saudável. André acabou ingerindo líquidos do útero. Como consequência ficou dez dias incubado. Mais tarde, descobriu possuir problemas respiratórios. A partir daí, a sua criação em meio ao cenário feirante de São Paulo estava completamente descartada.
Então, aos 23 dias de vida, André foi “deixado” com os vizinhos. Na verdade, um combinado entre as partes, principalmente, porque gostavam de crianças. Permanecia durante as manhãs e tardes. E voltava à casa dos pais ao entardecer. Noutro dia, pelas quatro da manhã, a rotina continuava. Era deixado, enquanto Luzinete e Severino rumavam às feiras. A jornada prosseguiu até os seus quatro anos de idade. Ao mesmo tempo, crescia uma afetividade jamais vista, entre o menino e os vizinhos.
Em 1987, já com quatro anos, os pais se mudaram de bairro, ficando mais difícil a entrega do menino. Então, André passou a ficar a semana toda, deixando os vizinhos somente aos finais de semana. E, mesmo assim, ele não queria mais sair dos seus cuidados. Os laços já haviam se estreitado demais. Era o início de uma grande transformação na vida de todos.
A TRAGÉDIA
Em maio de 1992, Luzinete foi até Antão e Soeli para se despedir de André. Naquele dia, ela ainda não sabia, mas era a sua despedida final. Após abraçar o menino, ela adentrou o caminhão da família para viajar até uma cidade próxima a Atibaia, no interior de São Paulo. O casal iria ficar alguns dias vendendo produtos em uma feira da cidade. Mas ela nunca mais retornou. Um acidente na estrada pôs fim a sua vida. Severino e uma das filhas se machucaram bastante. Mas sobreviveram.
“Eu lembro que fiquei bastante triste com a notícia. Era criança ainda. Mas vendo hoje, foi como uma espécie de libertação. Parece que o destino se encarregou de selar a minha vida”, disse André. Passados 33 anos da morte da mãe, ele lembra com carinho dela, a quem descreve como uma mulher guerreira, destemida, determinada.
Com a morte de Luzinete e, agora, com o pai hospitalizado por muitos meses, André acabou de vez na casa dos vizinhos. E, de certa forma, era tudo o que o menino almejava. Uma espécie de libertação para seguir com a nova família. Foi quando Antão e Soeli procuraram Severino e pediram para ficar com o menino. “Meu pai biológico teria concordado. Então eu fiquei pra sempre”, disse André.
O acidente do pai também transformou a vida das duas irmãs mais velhas. Mesmo ainda menores, tiveram que levar adiante às vendas à família. E, após serem emancipadas, iniciaram os negócios da mãe na feira. Isso porque toda a mercadoria do pai, assim como o seu caminhão, acabou perdido na tragédia da estrada.
O menino ficou na casa dos vizinhos até 1996, ano em que o casal decidiu sair de São Paulo e buscar uma cidade do interior. O município escolhido foi Luiziana, ao lado de Campo Mourão. Ali, além de ser um lugar pequeno, havia também uma unidade da igreja, a qual eram adeptos. Eles continuam lá até hoje.
OS VIZINHOS
Antão nasceu no interior de Minas Gerais. Buscando melhores oportunidades, a família seguiu a São Paulo, ainda na década de 50. Uma época em que a população se dava ao deleite de nadar nas águas do Tietê. E, ao lado dos pais e de 17 irmãos, o menino venceu. Conheceu Soeli, se casou e teve um filho. Na cidade grande sempre ganhou a vida como caminhoneiro. Tanto é que se aposentou como tal. Enquanto fazia suas viagens, Soeli ficava em casa.
Trata-se de um casal iluminado. Juntos, trabalharam honestamente. Formaram uma família e tiveram um menino. E ainda, mais tarde, tiveram espaço no coração para mais um filho: André. Um filho verdadeiro. “É inexplicável a minha relação com eles. Até fisicamente nos parecemos. Eu só nasci de outra família. Mas acho que o destino se encarregou de consertar as coisas”, revelou André.
Agora, morando em Luiziana, Antão e Soeli ligaram a Severino. Queriam que passasse a guarda do menino no papel. Mas ele não aceitou. Então, decidiram adentrar à justiça. E foi ali onde o juiz decretou que André era oficialmente filho do casal. A ação facilitou tudo. A começar com documentos ao menino.
Hoje, ao contrário do que aconteceu na década de 80, é André quem cuida dos pais. Há quase um ano,
Antão teve que amputar uma das pernas. Já Soeli deu um susto ao descobrir problemas cardíacos.
Formado em Gastronomia, e professor de Patisserie do Senac, em Maringá, onde mora, André sabe de sua eterna missão em, agora, fazer a sua parte: cuidar dos pais. Todos os finais de semana ele abdica de outros programas sociais para ficar ao lado dos dois, em Luiziana. E amor tem distância?
Da família biológica, André possui duas irmãs e um irmão, do segundo casamento de Severino. A mãe morreu em 1992. E o pai há pouco mais de um mês, no Espírito Santo, onde residia. André compareceu ao velório. Ele continua em contato com os três irmãos, ora por telefone, ora presencialmente. E tudo segue como tem que seguir. A vida jamais parou, mesmo com a vida transformada. E André continua feliz. Muito feliz.
Deixe seu comentário
Voltar