Estimativas indicam 600 refugiados em Campo Mourão
O objetivo da comissão é construir parcerias com o setor público e privado para a promoção da empregabilidade e integração laboral e socioeconômica da população migrante que reside ou busca o município em busca de trabalho. A agenda em Campo Mourão também contou com uma reunião com o Ministério Público, visando tratar da garantia de direitos da população migrante.
Campo Mourão atualmente tem recebido uma alta demanda de migração, ´principalmente, devido à grande oferta de empregos em diversas áreas como frigoríficos e agroindústria. O Paraná, atualmente, é o segundo Estado brasileiro com maior número de migrantes venezuelanos interiorizados pela operação “Acolhida”, do governo federal.
Principal braço na acolhida de migrantes na cidade, a Cáritas atua em Campo Mourão desde 2019. E, desde então, foi a responsável pela colocação de centenas de refugiados no mercado de trabalho local. Identificada, principalmente, pela ação voluntária, a entidade atua ao lado da Igreja. São muitos os casos de sucesso na integração social de migrantes.
De acordo com Jaqueline Faria, coordenadora da Cáritas em Campo Mourão, hoje, são cerca de 600 refugiados na cidade. “Precisamos melhorar o cadastro. E conseguir a documentação a muitos deles, ainda é o grande desafio”, disse. Ela explica que todas as pessoas que aqui chegam são, de alguma forma, atendidas. “A maioria chega com curso superior e até doutorado”, diz. Com experiência na Cáritas, desde 2009, ainda no Piauí, onde morou, Jaqueline vem atendendo refugiados da África, Haiti, Venezuela, Peru, Colômbia, Cuba e Oriente Médio.
Assistente Senior de Proteção do Acnur - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, Willian Laureano destacou a fundamental atuação da Cáritas na cidade. “Ajudar pessoas perseguidas, violadas na questão dos direitos humanos, fugindo da fome é algo essencial na sociedade. Agradeço e reconheço a atuação destes voluntários em Campo Mourão”, disse.
Luis e Mailyn descobriram o Brasil. E foram inseridos à sociedade através da Cáritas
Como milhares de venezuelanos, Luis e Mailyn deram adeus ao próprio país para dar um futuro digno ao filho. Ainda gestante, a esposa e o marido trilharam um caminho sem voltas, até a fronteira com o Brasil, por quatro dias. E não conseguem se esquecer pelo que passaram. Desumanidade, falta de bom senso e extrema corrupção, assolaram a jornada. Dias a serem esquecidos.
Luis Alexander Tapia, 36, e Mailyn Naileth Blanco Superland, 22, se conheceram em Barinas, cidade com cerca de 600 mil habitantes – distante 7 horas da capital, Caracas, na Venezuela. Ele é técnico florestal, embora nunca tenha exercido. Mas também se aperfeiçoou em eletrônica, informática e em antenas parabólicas. Já a esposa, ainda era estudante quando caiu de amores nos braços do companheiro.
Se conheceram em 2017, através do irmão de Mailyn. Se apaixonaram. Não se desgrudaram mais. Em 2018, já moravam juntos. Época em que Luis gerenciou um restaurante. Mailyn também lá, trabalhou. E, buscando saídas de emergência, frente ao desespero econômico do país, acabaram encontrando, na cidade de Barquisimeto, novas oportunidades.
Mas a notícia de que um bebê estava a caminho, em 2021, mudou tudo. Transformaria a vida dos “três”, para sempre. Luis conta que a Venezuela já vinha de mal a pior, há alguns anos. O sistema público de saúde estava aos farrapos. “Não existiam remédios. Ou um simples comprimido. Não tinham vacinas e quase nenhum médico. Além disso, as contaminações hospitalares assustavam a população”, disse.
Não bastasse isso, a inflação vinha devastando o que ganhava. Os dois contam que, por muito pouco, não passaram fome na Venezuela. “Estávamos comendo apenas arroz, e uma vez ao dia”. Segundo ele, por vezes, os preços de alguns produtos da cesta básica aumentavam até duas vezes no mesmo dia. Certos, como um e um são dois, decidiram chutar tudo. Inclusive o governo Maduro. Era hora de “descobrir” o Brasil. E descobriram.
O casal chegou a Goioerê para ficar na casa de um conhecido, também venezuelano. Mas deu tudo errado. Acabaram na rodoviária. Com dificuldades no idioma e sem conhecer nada e ninguém, Luis deixava Mailyn no terminal e saía de porta em porta buscando um emprego. Não conseguia. Mas sempre retornava com alimentos. E esta passou a ser a rotina do casal. Por alguns dias, moraram no terminal rodoviário e nas praças da cidade. Os banhos se resumiram a uma das pias do próprio local. O desespero só aumentava. E aquele tão sonhado futuro com o filho, começava a desaparecer.
Mas acontece que a vida é feita dia após dia. E, com uma esperança infinita, anjos surgiram no caminho. Através da assistência social do município de Goioerê, Luis foi informado que, em Campo Mourão havia uma pessoa que poderia os ajudar. Era Jaqueline Faria, uma mulher determinada, que trabalha junto a Caritas - entidade que atua na área de migração e refúgio.
Então, em 22 de setembro de 2021, o casal chegou a Campo Mourão. E, após receber alimentação de Jaqueline, algumas horas depois, já estava acolhido na Casa de Passagem, sob as asas angelicais dos freis franciscanos. “No mesmo dia ela me levou na Agência do Trabalhador. Num só dia, tudo mudou em nossas vidas”, lembrou Luis.
Com a ajuda do Frei Galileu, o casal ficou na Casa de Passagem por um mês. Lá, recebiam cama, três refeições, banho e muito carinho. “O próprio frei nos levou até Maringá para retirar nossos RGs”, disse Mailyn.
Dois dias depois de chegar à cidade, Luis já havia conquistado uma vaga fixa como garçom. Enquanto trabalhava, a esposa ficava no abrigo. Ela já estava quase tendo o bebê, que nasceu em dezembro do mesmo ano. Um legítimo mourãoense.
Agora, com a grana entrando, o casal conseguiu locar um imóvel. Deixou os freis, mas sem nunca esquecer da gratidão. Luis também trabalhou em um hotel, como cozinheiro. Mais adiante, atuou como ajudante de um trailer de lanches. Tanto gostou que acabou o arrendando. “Nunca fui tão feliz. Trabalhava tanto que cheguei a tirar R$6 mil livre por mês”, disse. Mas a felicidade não durou muito. A dona do negócio optou em reaver o trailer.
Hoje, o filho do casal já tem um ano. A família mora numa casa alugada, no centro da cidade. Mailyn também trabalhou até pouco tempo. Mas decidiu deixar a empresa. Enquanto isso, Luis comprou uma moto e vem trabalhando com entregas ao Maguila Lanches, de domingo a domingo. Não falta mais comida em seus pratos. E o bebê, quando precisa, recebe cuidados além do que imaginavam. “Nunca tive tanto carinho como vi na Santa Casa de Campo Mourão. Foi tudo de graça. Era o que queríamos e precisávamos quando deixamos nosso país”, explicou Mailyn.
O próximo passo, é guardar dinheiro para abrir o próprio negócio: um restaurante com comida venezuelana. O filho deles vai demorar um tempo para saber como e porque nasceu no Brasil. E, por fim, entender o verdadeiro significado da palavra determinação. Ou melhor, amor.
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