João, que nunca temeu nada e ninguém, hoje teme a Deus

João, que nunca temeu nada e ninguém, hoje teme a Deus
Por: Dilmercio Daleffe

João tinha 20 anos quando um delegado “calça curta” mexeu com um amigo dele num bar. O defendendo, ele e o irmão se levantaram da mesa e peitaram a autoridade. E a treta parou por aí. Pelo menos, naquele momento. Dias depois, num baile, o delegado encontrou o irmão. E a confusão daquele dia, no boteco, recomeçou. O irmão apanhou. E muito. Angustiado com a surra, decidiu contar à João. Não prestou. Na mesma noite, João foi atrás do “calça curta”. Então, após xingamentos, empurrões e ameaças, sacou uma faca e a cravou na região da barriga. E a autoridade, ali caiu.

Naquele instante João havia aflorado todos os demônios que o habitavam. E vendo o sangue escorrido no chão, começou a correr. Sozinho, ele havia desafiado o delegado e outros três ajudantes da lei, todos armados. E, nos poucos passos após começar a fugir, cerca de 15 disparos “cantaram” sua cabeça. Dois o atingiram, no ombro e nas nádegas. Mesmo assim, conseguiu escapar. E se abrigou em casa, parando no hospital horas depois.

João não foi preso. Acabou fugindo do hospital para Curitiba até que a poeira acalmasse. Lá trabalhou como frentista de posto por um ano. Mas em 1991 caiu em cana, consequência da facada, retornando, agora preso, à sua terra. Por alguns meses, à noite, dormia na cela. De dia, saía para trabalhar. É que ele havia montado uma pequena lanchonete na cidade.

Após pagar o que devia à justiça, anos adiante, novamente com os ânimos exaltados, decidiu tirar satisfações com um sargento da Polícia Militar: o sujeito havia, no cumprimento da lei, prendido um de seus amigos. João o encontrou na rua. E mais uma vez, não prestou. Ao tirar a limpo a história, deu um murro no rosto do policial. Acabou detido, parando mais uma vez atrás das grades. Definitivamente, João não temia nada. E ninguém.

Hoje, aos 54, João não é nem de perto o João de antes. Se na adolescência era um sujeito que buscava a justiça com as próprias mãos, comprando brigas de amigos, agora, amadureceu. Virou um cara do bem, pacificador. No melhor sentido da palavra, se transformou em um homem “zen”. Ele trabalha de domingo a domingo. Ganha pouco, sim. Mas o suficiente para colocar a cabeça no travesseiro e dormir. De certa forma, aprendeu com as lições do passado.

O espírito inquieto e agressivo da juventude possivelmente foi herdado do pai. Conta João que o genitor, há décadas, conheceu quem não devia. Se aproximou, estreitou laços de amizade e, quando viu, estava preso. Consequência direta de sua participação a um grande assalto ao Banco do Brasil em Goioerê, nos anos 80. “Meu pai já aprontou muito. Fez muitas besteiras. Ficou preso. Mas aprendeu com os erros”, revelou João.

Os exemplos do pai acabaram, de algum modo, espelhando a própria vida de João. E a bem da verdade, nem ele mesmo sabe como está vivo até hoje. “Não era mais pra eu estar aqui. Fiz muita. Mas muita coisa errada. Eu era o cão”, disse ele, mostrando a cicatriz de um dos tiros que levou.

João pediu para não ser identificado. Por isso, seu nome verdadeiro não será revelado aqui. Após muitas confusões, canas e processos na vida, guardou tudo o que viveu numa gaveta, no fundo do abismo. Agora mantém um pequeno negócio em Campo Mourão, local onde cativa os clientes com a boa prosa de um legítimo comerciante. Fala baixinho, quase arrastando as palavras. E sorri ao contar as histórias de um outro João, diferente do João de agora.

Ele nasceu em 1970, numa pequena cidade da região de Cascavel. Cresceu como uma criança normal. Mas estudou pouco, até a quinta série do primeiro grau. É que desde menino iniciou no trabalho ao lado do pai e dos tios. A família tinha uma cerealista e lá, colaborou até os seus 22 anos. Época em que o genitor deixou a sociedade e começou a andar com péssimos exemplos. Também não prestou.

A mãe era agente de saúde. E com o pai dele teve três filhos. João é o mais velho. “Dos 15 aos 22 eu trabalhei na cerealista. Era ajudante geral. Meu sonho era ser caminhoneiro. Mas deu tudo errado. Acabei dono de bar”, disse. E foi logo após pagar pela facada quando se casou. Teve duas filhas. Mas a relação não durou muito. Passados os anos descobriu ser o pai de uma terceira menina, em Cascavel. Em Campo Mourão ele chegou em 2013. Foi vendedor de roupas. Trabalhou em frigorífico. E acabou num bar.

O ROUBO DO PERU

Conta que quando tinha seus 17, por zoação, numa sexta feira santa, decidiu ao lado de amigos, fazer uma “feira santa”. Ou seja, foram roubar animais para o almoço de sábado de aleluia. Roubaram de tudo. Carneiros, galinhas, cabrito, porcos e, até um peru.

“Com um Escort, roubamos quatro carneiros de uma propriedade. Colocamos todos no porta malas. E depois, os deixamos numa casa que meu pai tinha”, disse. Acontece que uma procissão passaria bem em frente ao imóvel. E o dono dos bichos roubados os veriam. “Chamei os amigos e disse: temos que matar eles hoje, antes que comecem a berrar”. E assim o fizeram.

Mas animados por doses etílicas, voltaram a roubar. “Fomos roubar galinhas e porcos. Colocávamos todos na caçamba de uma caminhonete. Após levar um monte deles, voltamos ao bar pra tomar mais. E ao olhar para o dono do boteco, lembramos que ele tinha um peru de estimação em sua casa. Então fomos lá roubar o bicho”, disse.

Na casa do “botequeiro”, na garagem, encontraram o peru amarrado, com cadeado e tudo. O levaram. Dias depois, um dos amigos de João, participante da ação, retornou ao bar. E o botequeiro disse: “Chegou um dos ladrões do meu peru”. João conta que o amigo sacou um revólver e disparou por duas vezes na parede do bar. Tentando se defender, o botequeiro revidou, e acertou um disparo no peito do sujeito. Ele até correu. Mas caiu morto minutos depois.

Mesmo diante de algumas tragédias, João conta as histórias sorrindo. Ele ainda não acredita no que fazia. Como disse anteriormente, não sabe como está vivo até hoje. Mas, diferente de antes, fincou os pés na realidade, diminuindo a inquietude de seu passado.

Hoje, membro de uma igreja, se abriga sob as asas da fé, principalmente, em momentos de conflitos pessoais. “Dias desses fiquei com vontade de dar um tiro num sujeito. Ele me afrontou dentro do meu estabelecimento. Mas fui à igreja. E pedi a Deus que me acalmasse. Saí de lá sem os pensamentos que tinha. Esta é saída”, disse. E, se anos atrás João não temia nada e ninguém, hoje aprendeu a temer a Deus.



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