Luiz, o “171” que se disfarçou de PF e enganou um batalhão

Luiz, o “171” que se disfarçou de PF e enganou um batalhão
Luiz, disfarçado como policial e armado, em abordagem em Campo Mourão
Por: Dilmercio Daleffe



27 de outubro de 2022. Rua São José, Campo Mourão. Era final de tarde quando um homem chega do trabalho em casa. Ao abrir o portão, três indivíduos o enquadram. Um deles era Luiz Carlos Ribeiro Junior. Dizendo ser um policial federal, deu voz de prisão e o algemou. A alegação: tinha um mandado de prisão. Desesperada, a esposa liga ao seu advogado que, passa a falar com o ‘’policial”. “Ele não possui mandado de prisão nenhum. É um erro de vocês”, argumenta o defensor. A partir daí, um festival de equívocos é desencadeado. Os três “policiais” não conseguem abrir as algemas. Foram mais de duas horas tentando abri-las. E para piorar, o “algemado” percebe que o “federal” utilizava uma tornozeleira eletrônica. É, tinha coisa errada.

Acontece que Luiz nunca foi um policial. Nem aqui, nem em Marrakech. Tampouco, um federal. Veio de Umuarama, onde nasceu em 1993, tendo uma infância normal, como a tantas outras crianças. Mas, na escola, professores teriam percebido algo diferente em seu comportamento: era muito inteligente. Acima da média. “Nas aulas de matemática, ele não apresentava as resoluções. Vinha logo com o resultado. Depois disso, através de especialistas, descobriram que o seu QI era muito elevado”, revelou Alzemide Ribeiro, mãe de Luiz. Então, diante do quadro, o menino passou a estudar, sempre, em colégios particulares, mesmo não gostando de frequentá-los.

E, por ter muitas faltas, comprometeu uma possível trajetória de sucesso nos campos de futebol. “Ele era muito bom de bola. Tinha gente interessada em gerir a carreira dele. Mas devido às faltas na escola, deu tudo errado”, lembra a mãe. O menino teria se mostrado um craque de bola até os seus 15 anos, quando desistiu do sonho. Luiz concluiu o primeiro grau, mas jamais completou o segundo.

Já na adolescência a mãe percebeu que o filho tendia mais ao pragmatismo. Ou seja, gostava mais fazer a estudar, planejar. De uma certa forma, meter a mão na massa. Então seguiu os passos do pai, Luiz Carlos – morto há sete anos. Conhecido vereador de Umuarama, por duas gestões, foi apelidado como “Pastor Propaganda”, isso sem nunca ter sido crente. O nome se deu ao estilo: sempre usava paletó e gravata.

Antes de abraçar a Câmara Legislativa, o pai ganhava a vida fazendo propagandas em frente ao comércio local. “Pai e filho eram muito unidos. Luiz o ajudava nas propagandas e, depois, na política. Passou a seguir o pai”, disse Alzemide. Segundo ela, o menino nasceu às vendas. Com uma boa oratória, é capaz de vender a tudo. Imagine então, uma bela história policial, cujo protagonista, é ele mesmo.

Além de seguir os caminhos do pai, Luiz também atuava como uma espécie de X9 – gíria do crime aos delatores, os conhecidos caguetes. A “carreira promissora”, começou há 12 anos, ainda em Umuarama. Na época, tinha um tio dependente de drogas. E as cobranças da boca de fumo acabavam parando no colo do avô. Como a pressão dos traficantes era grande demais, Luiz decidiu adentrar à história, os delatando, um a um. Todos acabaram presos. O episódio teve consequências diretas: estreitou uma “amizade” entre ele e um policial. A partir daí, a vontade disfarçada em ser um homem da lei acabou, de certa forma, se consolidando através de denúncias, delações e uma pistola de verdade na cintura.

A AVENTURA EM CAMPO MOURÃO

Em Campo Mourão, Luiz chegou já no fim de outubro de 2022. Na cidade, passou a andar com um Ford Focus – que nunca foi dele. E armado com uma pistola Glock, zero bala – que insiste em dizer que não é sua. Mas que a entregou à PM sem maiores pressões. O enredo é ainda um pouco mais trágico. Ao seu lado sempre esteve um PM, designado pelo próprio comando. Mas como isso foi possível?

Segundo o 11º BPM, o indivíduo adentrou às portas da corporação se passando por um federal. Chegou ali já recomendado por um outro Comandante, do 25º BPM de Umuarama, o Major Cláudio Roberto Longo da Silva. “Luiz chegou afirmando ser um federal. Eu acreditei porque já veio recomendado. E não o questionei”, disse Adauto Nascimento Giraldes Almeida, o comandante de Campo Mourão. Na época, Luiz alegou que estaria preparando uma grande operação. E pediu o seu apoio. O que foi, de pronto, atendido. Incluindo a companhia de um PM em suas façanhas. Faltou ao comando apenas um detalhe: comprovar a veracidade de tudo o que o sujeito falava naquele instante. Mas isso não aconteceu. Foi, certamente, o único erro do Comandante.

Então, nos 40 dias morando em Campo Mourão, Luiz agiu como um verdadeiro “171” – gíria do crime para mentiroso, malandro, aproveitador, estelionatário, usurpador. E passou a prender, autuar e, até ameaçar. Isso, sem nunca ter pertencido aos quadros de qualquer tipo de polícia. E a bem da verdade, “trabalhou” demais. Quase não parou. Foram três “bocas de fumo” fechadas. Outros três mandados de prisão cumpridos. Duas armas apreendidas, além de um contrabandista de cigarros preso. Isso tudo sem nunca ter sido policial. E se fosse, quantos seriam?

Esta última façanha, inclusive, chegou a ser estampada na imprensa local. No primeiro dia de dezembro, ele colaborou para prender um sujeito, em casa, com muitos pacotes de cigarros contrabandeados do Paraguai. O detido e a mercadoria foram encaminhados à PF de Maringá. O desejo em ser um policial de verdade é evidenciado em um vídeo que ele mesmo fez, mostrando a apreensão e dizendo ser uma operação conjunta entre a Rotam e a PF.

PASSADO

Luiz também ostenta uma “boa” ficha criminal. Caiu por tráfico de drogas. E também por desobediência a uma medida protetiva. Há algum tempo, ameaçou a ex companheira, com quem teve uma menina. Não deu bom. Foi preso e ganhou de presente uma tornozeleira eletrônica. E era com ela, acredite, que se passava por um federal.

Na última detenção, ainda em 2021, em Umuarama, acabou transferido à Campo Mourão. E o motivo é bastante simples: um X9 preso junto aos outros detentos é morte na certa. A lei por trás das grades não tolera um caguete. Então, trancafiado por seis meses em terras mourãoenses, passou a conhecer a bandidagem. E, com uma boa conversa, conquistou muita gente. Luiz sempre foi muito inteligente. Soube dos podres de cada um e planejou uma futura aventura nas terras vermelhas daqui. Aí se explica o vasto conhecimento na cidade para concretizar as ações que realizou.

Luiz tanto fez na cidade que passou a ser percebido. E por muita gente, do bem e do mal. Na quarta feira, 7 de dezembro, foi parado pela Polícia Civil. No momento estava acompanhado por um PM, que acreditava estar ao lado de um federal. Na checagem rotineira, acabou livre. Segundo a Polícia Civil, “não foi localizada materialidade contra ele”. A “geral” dada pela civil já era resultado de um boletim de ocorrências formulado em 03 de novembro, pelo mesmo homem do início da matéria. A abordagem desencadeou a descoberta da farsa de Luiz. Era o fim de sua promissora “carreira policial”.

OUTRO CASO

Rua dos Pardais, Lar Paraná, 23 de novembro. Acompanhado por um PM, Luiz avista um indivíduo no portão de sua casa. Ele dá voz de prisão, mas o rapaz se esconde no interior da residência. Ao adentrarem, encontram uma porção de drogas e uma arma. Luiz acabou o prendendo por tráfico e posse ilegal de armamento. “No dia houve até uma contradição deste impostor. O PM que estava com ele disse se tratar de um federal. Mas Luiz me disse que era do BOPE, de Curitiba”, disse o advogado Rosinei Braz.

Mas a festa acabou em 8 de dezembro. Segundo nota do comando da PM de Campo Mourão, ao descobrir que se tratava de um fanfarrão, um impostor, policiais foram até a suposta “base da PF” - na verdade uma república, compartilhada por agentes penitenciários - no Jardim Santa Nilce. Lá, recebeu voz de prisão por usurpação de cargo público. Com ele também foi localizada a pistola Glock. Um vídeo feito pela PM comprova a entrega da arma.

Preso, ficou encarcerado na cadeia da própria delegacia. Segundo informações, inclusive com um dos detidos por tráfico, por ele próprio, dias antes. Mais tarde acabou encaminhado à penitenciária de Campo Mourão, quando já havia ganho uma preventiva. E deixou o local na madrugada do dia 14 de dezembro. Agora com destino à Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Segundo informações, Luiz corria risco de morte. Mais uma vez, a história do tal X9.

RELATO DE MÃE

Alzemide engravidou de Luiz aos 13. E o teve aos 14 anos. Segundo ela, o primogênito tem três filhos, com três diferentes mulheres. Com a primeira chegou a se casar. E foi com ela que caiu em cana pela primeira vez. Juntos, os dois foram presos por tráfico, cumprindo penas ao mesmo tempo. Após deixarem a prisão, também deixaram a convivência.

Luiz é descrito pela mãe como um homem careta. Não bebe, não fuma, não usa drogas e não gosta de sair. Baladas noturnas, jamais. Mesma versão apresentada pelos “colegas” de sua república, a qual definia como “base da PF em Campo Mourão”. “Ele sempre foi um bom filho. E um bom pai. É muito bem humorado e chega a ser bobo por acreditar demais nas pessoas. É capaz de dar a roupa a quem precisa”, afirmou a mãe.

Para ela, trata-se de um rapaz sem ambições. Um sujeito simples. “Tudo o que é dele, não é dele. Ele não tem nada”, revelou. Mas, se o QI é mesmo alto, a inteligência falhou em adiantar as consequências que viriam a seguir, principalmente, por se passar por um falso policial. Um usurpador de função pública. O que, geralmente, dá cana. E agora, ele sabe disso.

Serena e bastante sensata, a mãe de Luiz ainda não sabe como e porque o filho se aventurou no mundo como um X9. “Eu não tenho ideia como ele iniciou fazendo isso. São perguntas que ainda não tenho as respostas. E nem sei se as terei”, disse. Alzemide também nega que Luiz tenha problemas psiquiátricos. “Nunca teve. Agora ele está preso em uma penitenciária médica. Me informaram que está lá para exames. Eu, sinceramente, desconheço qualquer problema que ele tenha”, revelou. Ela está bastante triste com tudo o que está acontecendo com o filho. E a bem da verdade, qual mãe não estaria?

DEPOIMENTO DE LUIZ

Preso, em seu depoimento à 16ª Sub Divisão Policial de Campo Mourão, Luiz contradisse o que o comando da PM divulgou. Afirmou que chegou à cidade através de um convite do próprio comandante do 11º BPM. O objetivo aqui era colaborar para localizar traficantes e outros criminosos. Teria um contrato apenas verbal. No entanto, revelou “ter conversas em relação a essa negociação em seu celular”. Uma perícia pretende decifrar as conversas.

Questionado sobre a abordagem descrita no início da matéria, em 27 de outubro, afirmou que já estava em trabalho com o comando de Campo Mourão. “Eu já era colaborador da PM. E tudo o que era informação, passava à força de segurança local”. Segundo ele, o nome colaborador de hoje, era antes conhecido por X9. “Pago com verba secreta. Mas ainda não cheguei a receber valor algum”, disse no depoimento.

Luiz revelou que trabalha como autônomo, vendendo sofás e cadeiras e teria uma renda mensal de R$3 mil. Negou se passar por policial, contrariando várias testemunhas e até um vídeo que ele mesmo gravou. Sua estada em Campo Mourão teve início ainda em Umuarama, quando conversou com um policial militar, recebendo a informação que tinha um colega que comandava o 11º BPM de Campo Mourão, e estava precisando de um auxílio com informações de criminosos.

Então, diante da conversa, rumou até Campo Mourão, se dirigiu ao 11º BPM e fez contato pessoalmente com Giraldes. O Coronel, segundo ele, afirmou que realmente precisava de seus trabalhos, principalmente, em relação a indivíduos que praticam crimes na cidade - tráfico de drogas, assaltos, homicídios, furtos e contrabando.

Após a prosa, dois dias depois, ele já tinha ao seu lado um policial para fazer diligências em diversos pontos da cidade, incluindo bairros e região central. Ele fez questão de afirmar que os resultados foram bons. Ou seja, “trabalhou bastante”.

COMANDANTE GIRALDES

Naquele 8 de dezembro, por volta das 10h30 da manhã, após deixar a “base da PF”, onde supostamente Luiz fazia escutas, reuniões e planos mirabolantes e, agora, com a certeza de que o “federal” não era um federal, a PM o levou até o 11º BPM. E lá, através de uma conversa gravada – a reportagem teve acesso aos áudios -, Luiz confessou que nunca foi um policial. Disse que mantinha uma arma e um veículo, que teriam sido entregues pela Polícia Federal. O que foi desmentido em seguida, através da unidade da PF de Guaíra, conforme relatou Giraldes. Segundo as informações, ele era um mero informante de alguns policiais, sem nenhum vínculo com a instituição.

Mais que isso. Luiz pediu desculpas ao comando dizendo: “Me desculpem. Mas eu achei que vocês tinham entendido que eu não era um policial federal. Sou apenas um colaborador deles”. Durante toda a conversa, Giraldes e outros dois policiais, o questionaram sobre o que realmente fazia na cidade e qual era a sua missão. E, entre invenções e irrealidades, se contradisse inúmeras vezes. Fica claro nos áudios que o comandante não foi o responsável por sua vinda à cidade. Num dos trechos, o falso PF chega a afirmar que, até a sua vinda, não conhecia Giraldes. E, mesmo diante de tantas indagações, Luiz insistiu que estava em missão à PF. Uma ilusão vista apenas nas telas do cinema, como no filme “Vips”, onde Marcelo Nascimento da Rocha se passa por Henrique Constantino, dono da empresa Gol.

Giraldes se apresenta como um homem polido. Fala bem e demonstra uma educação irretocável. Ele tem 34 anos como policial militar. Antes de chegar ao posto de comandante, pertenceu à corregedoria da PM e ao Gaeco. Segundo ele, “não tolera atitudes erradas”, ainda mais, dentro da própria corporação, que a defende desde os seus 18.

Há alguns meses, em Campina da Lagoa, o próprio Giraldes prendeu em flagrante dois militares de sua unidade recebendo um pacote, maior que um fardo de papel A4, com dinheiro vivo. Na ocasião, eles levariam a grana para deixar uma carga de cigarros do Paraguai seguir viagem. Mas deu tudo errado. Foram monitorados, flagrados e a casa caiu. Os PMs foram afastados e presos.

Desde que o caso do falso federal veio à tona – durante suas próprias férias -, Giraldes se afastou de todos e se mantém recluso em casa. O homem de quase dois metros de altura se mostra abatido. Abalado psicologicamente, levou muita pancada e, ainda, não se defendeu. Ele afirma não ter feito nada de errado. Mas está envergonhado por ter sido enganado por Luiz, descrito por ele como o maior “171” que já conheceu. “Fui enganado. Ele me pegou na minha razão de viver, em coibir o tráfico de drogas. A Gênese de todos os males”, afirmou. Giraldes reconhece a própria negligência. O que não é fácil a um policial com mais de três décadas de farda. Mesmo assim, aguarda em silencio ao resultado de uma sindicância interna da PM.

A RECOMENDAÇÃO DE LUIZ

Possivelmente, a peça chave de todo quebra cabeças esteja na resposta de como Luiz chegou a Campo Mourão. Comandante do 25º BPM de Umuarama, o Major Cláudio Roberto Longo Silva, revelou que já o conhecia do meio policial, onde atuava como um informante “quente” – ou seja, com bons levantamentos. “Ele atuava com X para policiais de várias forças diferentes. Passava informações pertinentes e assertivas. É comum a polícia ter informantes. E no caso específico, nunca passou disso”, disse.

Segundo o Major, no dia 18 de outubro Luiz o ligou perguntando se tinha alguém em Campo Mourão para passar informações. “E como eu tenho uma amizade e respeito pelo comandante Giraldes eu fiz essa indicação, informando quem era esse cidadão”, explicou.
Por sua vez, Giraldes confirmou ter recebido a recomendação via telefone. No entanto, soube se tratar de uma operação de tráfico da PF de Guaíra. Mas, devido a um dispositivo temporizador, cujas mensagens são apagadas automaticamente em seu celular, teria deixado de ler onde se tratava de um “X” PF.

Major Cláudio também repudia a afirmação de Luiz, em seu depoimento, afirmando que ele próprio teria pedido que ajudasse o BPM de Campo Mourão. “Isso não é verdade. Não foi um pedido nosso. Ele me ligou perguntando se eu tinha alguém lá. Ele é um contumaz mentiroso”, afirmou. Para ele, Luiz sempre teve vontade em ser um policial. “E, independente de ter se passado por um policial, o único a cometer crime nessa história toda foi ele. Por falsidade ideológica e porte de arma. O comandante e os policiais de Campo Mourão não sabiam que não se tratava de um policial. Ele se passou por um e ficou”, disse.

DEFESA

Enquanto os trâmites da investigação continuam, na esfera militar e na justiça, Luiz continua preso em Pinhais. Segundo o seu advogado, Marcelo Adriano Barbosa, ele está bem. Mesmo tentando, a reportagem não conseguiu autorização para entrevistá-lo. “Os crimes de seu passado pesam à soltura. Mas ainda assim, estamos tentando a sua liberdade”, disse Barbosa. Para ele, muitos pontos da história ainda não se encaixam.

“Eu queria, se eles provarem que Luiz seja culpado, que responda pela pena certa. No processo consta que a arma foi encontrada no carro dele. Mas foi na casa. Eles querem agravar sua pena. Também apontam que ele teve benefício usufruindo como um policial federal. Mas ele não teve nenhum benefício”, afirmou Barbosa. A meta agora é trazê-lo de volta à Campo Mourão.


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