Os 100 anos do generoso Joaquim
O que você faria se estivesse com 100 anos de idade? À maioria das pessoas, essa possibilidade nem mesmo existirá. Mas no caso de Joaquim Alves Moreira, a vida é uma sequência plena da felicidade humana, quando encarada de frente. Não a temendo. Ele fez 100 anos dia 20 de julho. E, ao contrário de muitos idosos, está extremamente lúcido e com uma memória inquietante. Sorridente, de bem com a vida. E uma saúde de dar inveja.
Joaquim é um sujeito diferente. Jamais bebeu ou fumou. Como ele mesmo diz, nunca foi “bagunceiro”. Nascido e criado na roça, em Bonito, na Bahia, teve nove irmãos. Aos sete já começava a lida no campo, ao lado do pai, Manoel. Carpia e plantava milho e algodão. Mais adiante frequentou os bancos escolares. Mas somente por dois anos. O suficiente para aprender ler e escrever. “Eu não tinha medo da professora, não. Tinha do meu pai. Ficava com medo dele tirar minha lição e eu não saber nada. Então eu saí da escola”, explicou.
Aos 19 anos, Joaquim decidiu se casar com Zulmira, uma prima de primeiro grau, filha de Maria Alves Moreira, uma das irmãs do pai. “Um primo meu não quis se casar com ela. Era uma muié brava. Então eu casei”, disse, rindo. Tiveram oito filhos. Dois morreram. A mais velha, Maria Zélia, hoje aos 73 anos, nasceu com deficiência nos pés. Dependente de uma cadeira de rodas, se tornou a companheira dele. “Eu sempre me preocupei com ela. Cuido e faço tudo o que posso”, disse.
Após se casar com Zulmira, Joaquim teve uma única certeza na vida: seria apenas ela. E para sempre. Pelo menos, até que a morte os separasse. E assim aconteceu. A esposa o deixou há 24 anos. Com problemas no coração, foi submetida a uma cirurgia. Morrendo ainda durante o procedimento. Então, a jornada não foi mais a mesma. “Eu a amava demais. Às vezes choro lembrando dela. Sonho muito. E quando acordo e vejo que ela não está na cama, fico triste. Foram 53 anos ao seu lado”, lamentou.
E mesmo a tristeza da separação, não o levou a uma depressão. Isso porque Joaquim é uma espécie de abençoado. Um verdadeiro iluminado. Cercado por toda a família – a casa em Campo Mourão é um entra e sai de gente, o tempo todo – ele não fica sozinho. Nunca. Morando ao lado da filha, Maria Zélia, ele ainda conta com a ajuda de uma neta, Solange, que passou a ser a cuidadora da casa. “Tenho a missão gratificante de colaborar com os dois. Joaquim é uma pessoa generosa. É puro de coração. E não para”, lembrou ela.
Nascido em 1923, ele continua fazendo negócios. Isso porque mantém uma propriedade rural arrendada. Então, cooperado da Coamo, dia a dia, comercializa suas sacas de soja. E o sujeito é bom na negociação. Com o dinheiro ele mantém a casa. E, às vezes, se presenteia. Tem algum tempo, comprou uma van para levar a família à Bahia. Também adquiriu dois carrinhos elétricos. Com eles, anda na cidade inteira. Não fosse a amputação da perna direita, há seis anos, certamente, não teria o meio de transporte. Joaquim é o que se diz por aí de um ser “inquieto”. Ele simplesmente, não para.
SUCESSO NO CAMPO
Na Bahia, Joaquim ficou até os 30 anos, sempre na labuta do campo. Pouco tempo depois, a convite de um cunhado, se mudou ao interior de São Paulo. Lá, acabou se embrenhando como empregado de algumas fazendas. Mas com a força de vontade, juntou grana e, quando viu, já havia comprado a própria terra. Por lá permaneceu por 11 anos, sempre, na região de Adamantina e Oswaldo Cruz.
Aos 41, foi então que decidiu abraçar o Paraná. Com o dinheiro da venda da terra, em São Paulo, comprou 35 alqueires em Boa Esperança. Mais uma vez, trabalhando arduamente, adquiriu outros 20. Como um verdadeiro homem do campo, Joaquim sempre honrou e respeitou as leis da lavoura. Possivelmente, a chave ao seu sucesso. Mais adiante, ele optou em distribuir parte da terra aos filhos. O
que ficou, arrendou.
JORNADA
Além de levar a vida com muito gosto, Joaquim tem uma missão especial. Desde que a filha mais velha, Maria Zélia nasceu com problemas nos pés – ela não consegue andar -, ele jurou protegê-la. Um zelo entendido apenas por quem é um verdadeiro pai. Hoje, além de uma amizade de 73 anos, pai e filha moram juntos. É bonito de ver.
Conta ele que na década de 80, a filha foi uma das sorteadas no Carnê do Baú da Felicidade, do programa Silvio Santos. Foi então que recebeu o convite para ir até São Paulo participar de um dos quadros do apresentador. “Foi muito bacana. Ela ficou muito feliz. Ficou num hotel de cinco estrelas. Tudo pago pelo Sílvio”, disse Joaquim. E não voltou de mãos vazias, não. Retornou com uma geladeira, além de fotos ao lado do ícone da televisão brasileira.
Com a vinda de uma irmã à Campo Mourão, ainda na década de 90, Joaquim aproveitou o ensejo e também se mudou. Sempre bastante apegado à família, fez questão de estar próximo dela. Hoje, ele continua na mesma residência. Está lúcido, disposto, ativo, com muita saúde e mais do que tudo, feliz.
EMACONHADO
Contador de histórias e com uma prosa grudada na outra, Joaquim é uma figuraça. Dentre tantos causos narrados durante a entrevista, lembrou da vez que acabou “emaconhado”. Conta que ainda na região de Adamantina, interior de São Paulo, deixou o sítio e foi até a cidade a cavalo. No meio do caminho foi interceptado por um grupo de pilantras, golpistas.
Na ocasião, pediram para que descesse do cavalo. Atendendo o pedido, passou a escutar o que queriam. Mas acontece que, segundo ele, os camaradas fumavam maconha, passando a soltar a fumaça, propositalmente, contra seu rosto. “Eu nunca usei droga na minha vida. Mas aquele dia eu fiquei muito dopado. Eles me emaconharam mesmo”, disse, rindo.
Atordoado com o fumaceiro, Joaquim acabou fazendo o que não queria. Os marginais o convenceram a retirar uma bela quantia do banco. A ideia era ajudar pessoas com deficiência visual. “Eu acreditei naquilo e fui no banco tirar o dinheiro. Era um valor que dava para comprar um terreno”, lembrou.
Joaquim então retornou com a grana. E a entregou às mãos dos golpistas. Eles encenaram colocar o montante em uma pequena bolsa, a colocando no colo de Joaquim. “Fique com o dinheiro nesta bolsa que já voltamos. Daí vamos até os cegos ajudar com dinheiro”, afirmaram. Só que o tempo passou. E, com a demora, ele decidiu olhar a bolsa. Ao seu espanto, ao invés de dinheiro, havia papel. “Comprei uma faca naquele dia e percorri a cidade atrás deles. Mas nunca mais os encontrei”.
FESTA DE 100 ANOS
No dia 20 de julho, Joaquim fez a própria festa dos 100 anos. E do jeito que quis. Contratou um buffet e uma banda, que tocou músicas de Gino e Geno, que tanto gosta. Recebeu quase 200 convidados. Amigos e familiares. Ele pagou tudo. E não aceitou presentes. No convite já escreveu que aceitaria sim, alimentos para doar a quem nada tem. E recebeu bastante.
Após a festa, ao lado da família, ele saiu pela cidade entregando os alimentos, numa generosidade poucas vezes vista nos dias de hoje. Joaquim é daqueles que aprendeu no suor da enxada a preservar a verdadeira essência humana: a humildade. Mesmo com o dinheiro quase nunca faltando, ele ainda se lembra das vezes que até um litro de óleo lhe fora negado. “Eu ia pagar. Só não tinha o dinheiro naquele momento. Mesmo assim, me negaram”, lembrou.
Hoje, após honrar as “contas” de um pai de família, Joaquim sente que cumpriu o seu papel. Trabalhou, ganhou grana, criou os filhos, plantou árvores, cuidou da esposa. Não deixou faltar nada, a ninguém. Agora, falta escrever um livro. E torcer para que mais “Joaquins” vivam neste plano terreno.
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