Quando o dinheiro acaba. E a fome chega
“A fome não é um fenômeno natural e sim um produto artificial de conjunturas econômicas defeituosas. Um produto de criação humana. E, portanto, capaz de ser eliminado pela vontade criadora do homem”, disse o médico, sociólogo, antropólogo e geógrafo, Josué de Castro. A afirmação, feita há décadas, continua atual. E agravada ainda mais com as consequências do desemprego da pandemia. Em Campo Mourão, como no restante do país, famílias começam a passar fome. É um quadro assustador. E, ao que tudo indica, está apenas no começo.
Andrielli da Silva Santos tem apenas 20 anos. Ela mora na Vila Guarujá, com o marido, Roger, 25, e duas filhas, de cinco meses e quatro anos. Vindos de Araruna, o companheiro estava empregado como servente, na construção civil. Mas contraiu a Covid. Ao ser afastado do trabalho, também ganhou a conta. E um fardo pesado demais a carregar: a fome.
Não conhecendo ninguém na cidade e, ainda, sem grana, a comida acabou. “Eu dava leite para a minha filha mais velha, tanto de manhã, à tarde, como à noite, para dormir. Mas ele acabou. Passei então a dar água com açúcar. E, dias depois, sem açúcar, dei chá de erva doce. A nossa situação era crítica demais”, revelou Andrielli.
Ainda desempregado, Roger não tinha dinheiro para o botijão de gás. O jeito foi fazer uma fogueira no quintal. Restos de madeira, eram o combustível. Mas, nos dias de chuva, de março, mesmo a pouca alimentação, não era possível mais fazer. “Eu ia dormir com fome. Acordava com fome. O que tinha, dava a minha filha. Nós estávamos passando fome”, disse. “É triste. É muito triste ver o filho pedindo leite e você não poder dar. Ela tem 4 anos. Não pediu pra vir ao mundo. E por causa de um vírus, está passando por necessidades”, lembrou a mãe. Hoje, a família vive com míseros R$38 ao mês, do Bolsa Família.
Desesperada e, sem ter a quem recorrer, o jeito foi apelar às redes sociais. Não demorou e veio a ajuda. Ações do bem. E ela chegou através de um projeto da Igreja Calvary. Um grupo preocupado com gente, foi até a residência da família e verificou a realidade. Era fome mesmo. A partir daí, Andrielli e Roger ganharam alimentos, gás, fraldas e o mais importante: compaixão. “Agora, o que precisamos mesmo é um emprego”, afirma a jovem mãe. Segundo ela, o marido também necessita de ferramentas para obter empreitas na construção. Uma maneira de contornar os obstáculos de uma economia bloqueada. O vírus também mata pela fome.
Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que hoje, 27,3 milhões de brasileiros estão na faixa de pobreza extrema no país. Ou seja, o número triplicou. Em agosto de 2020, eram 9,5 milhões. São pessoas que vivem com renda inferior a R$232 mensais. De uma certa forma, há muita gente com fome nas cidades do Brasil. E, fechar os olhos à realidade, só aumentará o problema.
FOME PODE AUMENTAR
Pastor da Igreja Calvary, Diego Bitencourt, 34, diz que é perceptível o aumento de pedidos de socorro das famílias. Principalmente, entre a primeira e a segunda onda da pandemia. Segundo ele, Campo Mourão possui um Produto Interno Bruto (PIB), relativamente alto, onde o agronegócio movimenta a economia. “Isso pode fazer com que tenhamos bolhas sociais, pensando que a cidade é próspera. Mas não é. Tem gente que passa fome na nossa cidade”, afirma.
Para ele, chegou o momento de estar com os olhos abertos e os corações dilatados. Ouvidos atentos e as mãos estendidas. “A espiritualidade cristã se manifesta no amor ao próximo. O amor se traduz em obras. Em serviços”, disse. Diego acredita que é hora de montar uma corrente do bem. Cada um pode fazer alguma coisa. “Cada um de nós pode ajudar, financeiramente ou não. O que não podemos é fechar os olhos e ficarmos inertes e alienados a esta realidade”, explicou.
No livro “A Fome: Crise ou Escândalo”, do escritor Melhem Adas, ele descreve que “morrer de fome, principalmente, num mundo em que a produção de alimentos é suficiente para assegurar alimentação adequada a todos, é uma vergonhosa situação para toda a humanidade. É um escândalo”.
AJUDA DA POPULAÇÃO
Não fosse a ajuda de vizinhos, parentes e da própria igreja, Valdéria Pinheiro, 33, estaria faminta. Separada, ela mantém três filhas na pequena casa, também na Vila Guarujá. Trabalhando meio período, numa academia da cidade, a renda é de aproximadamente R$700 ao mês. “Aqui todo mundo se ajuda. Quando um não tem, a igreja socorre”, garante.
Valdéria explica que a situação só está piorando. No seu bairro, ela teme que muitas outras famílias possam passar fome nos próximos meses. “Vejo muitos desempregados. E, com a alta da comida e do gás, tudo só piora”, diz. Há alguns dias, ela recebeu a visita de membros de uma igreja local. Em sua casa, deixaram um pouco de tudo. “Minha geladeira está bem abastecida, graças a Deus”, disse. No entanto, mais que alimentos, o importante é saber que pessoas como ela, não são esquecidas. “Ainda existe muita humanidade nas pessoas. São gestos assim que dão esperanças em dias melhores”, diz.
O DRAMA DE LÉA
São oito pessoas. Uma só casa. Seis crianças. Dois adultos, dois desempregados. Se a vida já era dura antes do vírus, agora, tornou-se desesperadora. Já são dois aluguéis atrasados e contas de água e luz, a perder de vista. Léa Domingues da Silva é a “chefe” da família. Casada, ela não sabe mais o que fazer. Com o coração maior que ela, ainda sofre calada com o irmão internado, em uma casa para dependentes químicos. A situação apertou. Léa está pedindo ajuda.
Léa é dona de casa. Cuida de seis filhos. O marido faz bicos. E esta é a única grana que chega. Mas, desde o último ano, não consegue nada. Há alguns dias, a família recebeu alimentos da igreja. “Não nos está faltando comida, neste momento. Mas o nosso futuro é incerto. Precisamos arcar com algumas contas”, disse.
Hoje, aos 44 anos, Léa mora num imóvel de madeira. Tudo é pequeno. Enxuto. Não possuem móveis. Ou utensílios de luxo. Tudo é bastante simples. Diferente mesmo, apenas o tamanho do coração de Léa. Que busca fazer o impossível por todos. Definitivamente, não carrega uma cruz. Muito menos um peso excessivo. Carrega apenas a própria família. O que para ela, não tem preço.
PROJETO CALVARY CIDADE
O Calvary Cidade é um projeto da Igreja, do mesmo nome, nascido ainda em 2020, devido a pandemia. O objetivo é auxiliar pessoas em vulnerabilidade social, simplesmente, por entender que algumas, sofreriam consequências maiores que outras. No começa era um movimento básico de entregas de cestas básicas – foram 4,5 toneladas de alimentos distribuídos à população, Provopar e prefeitura.
Há pouco tempo, vendo a pandemia se agravar no país, especialmente, em Campo Mourão, a Calvary criou um programa de encontros: quem deseja ajudar e quem precisa ser ajudado. Mais uma vez, os objetivos não são meramente sociais. “Precisamos ajudar o ser humano em sua integralidade. Quem tem fome tem pressa. Essa é a nossa demanda de socorro”, revela o pastor Diego.
A partir da existência do pedido de ajuda de uma família, os voluntários da igreja, entram em ação. Imediatamente. Primeiro, fazem um cadastro e depois, algumas perguntas. Por fim, uma visita. Uma vez constatada a necessidade, eles partem para a ação. Levam comida, roupas e, às vezes, móveis. Mais do que isso, também contam com atendimento psicológico e orientação jurídica. Esta última, visando obter direitos até então, desconhecidos. Toda a “investigação” durante o cadastro se deve ao fato de ajudar, verdadeiramente, quem mais precisa.
De acordo com Diego, a ajuda deve ser ainda mais ampliada. Principalmente, na realocação das pessoas que perderam seus empregos. Mas isso, num projeto ainda a sair do papel.
SERVIÇO – você pode ajudar contribuindo ao projeto. Ou, ser ajudado. (44) 99185-2119
www.calvarycampo.com.br/queroajudar
www.calvarycampo.com.br/precisodeajuda
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