Trindade: o homem que ajudou a procurar Lamarca

Trindade: o homem que ajudou a procurar Lamarca
Por: Dilmercio Daleffe


Ele mora hoje, numa chácara de meio alqueire, no Mato Grosso. Isolado de tudo, e de todos, contato mesmo apenas com o filho de 15 anos. Mas ali, em meio aos bichos e a produção de alface hidropônica, vive as lembranças da época do regime militar. Membro do Exército brasileiro, na década de 70, participou da caçada a Carlos Lamarca, um dos principais guerrilheiros brasileiros contra a ditadura, imposta na época. Preferindo não ser identificado, com receio de vingança, será chamado aqui de “Trindade”.

“Trindade” deixou Campo Mourão aos 18 anos. Serviu em Brasília. Mas não sabia que sua unidade seria uma das equipes que ajudaria na captura aos combatentes do regime militar. “Saíamos armados e em carros do Exército patrulhando algumas áreas que, supostamente, Lamarca e seus guerrilheiros estariam escondidos”, explicou.

Em uma das viagens rotineiras, um dos veículos em que estava, capotou. “Trindade” fraturou a perna. E ficou afastado das operações. Mas, até aquele momento, participou de várias incursões país a fora. Tempos depois, as notícias da morte de Lamarca chegavam. Ele havia sido encontrado no interior da Bahia, onde foi morto.

Hoje, aos 66 anos, “Trindade” leva uma vida tranquila em meio ao mato. Passa o dia produzindo hortaliças, sempre na companhia do filho, seu maior e único companheiro. No entanto, historicamente, jamais se esqueceu das missões em que foi enviado. “Era muito impactante sair com a equipe para caçar um guerrilheiro. Era como ir a uma guerra. Sabíamos que, ao encará-los, haveria muita troca de tiros. Infelizmente, um acidente me tirou da batalha”, lembra ele.

Separado da ex companheira, “Trindade” continua vivendo única e exclusivamente da renda do que cultiva. Nos próximos dias, pode vir a tão sonhada notícia de sua aposentadoria. “Não preciso de muito pra viver. Se a aposentadoria sair, estarei muito feliz”, revelou. Sujeito gozador, também disse que está perto de 30 mil cabeças de gado. Ele se refere ao gado do vizinho, atrás de seu sítio. “Estou perto. Não que sejam minhas”, gargalhou ele.

Após deixar o Exército, “Trindade” retornou a Campo Mourão. Trabalhou com acessórios de carros. Depois em ferro velho. Seguiu caminho a lavoura. Anos mais tarde, voltou à cidade. Ficou desempregado e virou informal. “Sofri demais na vida”, disse. Ainda na década de 80, recebeu convite para mudar a região Centro Oeste do país. Se aventurou em rallys. Hoje, decidiu se isolar de tudo e mora no mato. Vive feliz. Seu nome e sua localização, não foram divulgados a pedido dele.

CARLOS LAMARCA

“Ousar lutar, ousar vencer”. A frase era uma das marcas de Carlos Lamarca, o líder da maior guerrilha contra a ditadura militar brasileira. Adentrou aos quadros militares cedo e, alguns anos após o golpe, chegou a ser capitão do Exército. Mas, em 1969, já engajado na luta armada contra o regime, desertou e foi expulso da corporação. Sua luta o definiu como o inimigo número um do regime. Em 1971, após ser muito perseguido, acabou fuzilado pelos militares.

Segundo relatos, Lamarca era na verdade, um homem que jamais aceitou injustiças sociais. Em 1962, já militar, foi enviado para integrar as forças de paz da ONU, na região de Gaza (Palestina). Voltou 18 meses depois. A experiência marcou sua vida. Em 1967, foi promovido a capitão e, dois anos depois, já militante da organização que daria origem à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organizou um grupo de militares do 4º Regimento de Infantaria para desertarem daquela unidade. Levou com ele 63 fuzis e metralhadoras leves. Armas que passariam a ser utilizadas na sua jornada contra a ditadura.

Para manter a segurança da família, Lamarca mandou a mulher e os dois filhos para Cuba. Nas ações, sequestrou o embaixador suíço Giovanni Bucher, em 1970. Como consequência, o governo libertou 70 presos políticos. Lamarca também comandou assaltos a bancos para financiar as ações do grupo armado. Viveu clandestino em São Paulo, participando de ações de guerrilha urbana. Por fim, instalou-se no Vale do Ribeira, com um reduzido grupo de militantes, para realizar treinamentos.

O local foi descoberto pelos órgãos de segurança em abril de 1970 e cercado por tropas do Exército e da Polícia Militar. Uma gigantesca operação de cerco se prolongou por 41 dias. Mas o grupo conseguiu escapar rumo a São Paulo.

Em 17 de setembro de 1971, Lamarca foi fuzilado por integrantes da “Operação Pajuçara”, em Ipupiara, no interior da Bahia. Essa operação, iniciada em agosto de 1971, entrou para a história como uma das mais violentas, sobretudo em Buritis, que se tornou à época um verdadeiro campo de concentração, com torturas e assassinatos em praça pública, diante da população. Lamarca tinha 34 anos quando morreu.

DITADURA OU REGIME MILITAR?

Em tempo: Uma ditadura militar ou regime militar é uma forma de governo autoritário onde o poder político é efetivamente controlado por militares. Como qualquer ditadura ou regime, ela pode ser oficial ou não, e também existem formas mistas, onde o militar exerce uma influência muito forte, sem ser totalmente dominante.



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