Welington e Patrícia foram apresentados ao inferno

No posto policial, Welington alegou que permaneceu quase três horas no interior do veículo. “Eles fizeram uma abordagem normal. Mas pediram que ficássemos no carro. Também chamaram reforço. Em nenhum momento nos convidaram a ver o teste”, afirmou. Uma solução – coca test - foi colocada em contato com a cera líquida. Se ficasse na cor azul, estaria testando positivo para a cocaína. E assim, teria acontecido. A composição não só ficou azulada, como remeteu o casal à cadeia. Detidos em flagrante, pela Lei 11343 – Nova lei de tóxicos -, foram encaminhados à delegacia de Polícia Civil, permanecendo 69 dias encarcerados. Mesmo a justiça indeferindo diversos pedidos de soltura pela defesa, a liberdade do casal aconteceu, definitivamente, no dia 7 de janeiro.
Isso foi possível porque 12 amostras do produto foram remetidas ao Instituto de Criminalística do Paraná. O teste final determinou que não. A composição não contém entorpecentes em sua fórmula. Muito menos, cocaína. Os 12 frascos foram analisados por três diferentes técnicas. Na verdade, houve um grande equívoco, proporcionando o encarceramento de duas pessoas inocentes. Naquela tarde, de 30 de outubro, o casal se deslocava apenas para revender os produtos em postos de combustíveis de Marília, em São Paulo. Lá, tinham parcerias com alguns estabelecimentos. Faziam testes do produto para motoristas e os comercializavam. No entanto, a viagem foi adiada.
Na delegacia de Campo Mourão, o casal alegou inocência. Diziam que eram somente vendedores de um produto de limpeza para carros, o Eco Flex Clear. E que não entendiam porque a substância indicou a presença de cocaína. Mesmo assim, o inquérito policial foi encaminhado a justiça. E lá, o juiz acatou o flagrante.
Advogada de defesa, Viviane Schon, disse que, um dia após serem presos, ela entrou com pedido de liberdade provisória. Mas foi indeferido. Mesmo alegando que os dois tinham endereços fixos, eram réus primários e, sem antecedentes criminais, tentou a revogação da prisão preventiva. Indeferido. Depois pediu um Habeas Corpus. Indeferido. Por último, tentou uma prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Indeferido. Sem mais recursos a pedir, o jeito foi aguardar o teste final no Instituto de Criminalística. Foi a salvação.
IMAGEM DESTRUÍDA
Welington nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Mas há seis, reside em Francisco Beltrão, no Paraná. Veio tentar uma nova vida. Ele disse que sabia que seria inocentado. No entanto, tinha esperanças que não demorasse tanto. Acreditava que passaria Natal e Ano Novo com a família. Mas isso não aconteceu. “Tudo que peço é justiça. Para que pessoas como eu, não sejam presos injustamente, novamente. Para que casos como o meu, não aconteçam mais uma vez. Não desejo isso para ninguém. A pior coisa é você saber que não deve nada a justiça e estar preso por alguma coisa que você não fez. Uma coisa que eu não sou, é traficante”, afirmou.
O casal tenta se recuperar dos constrangimentos causados pela detenção. Os dois permaneceram em celas comuns a outros detentos e correram riscos quanto ao Covid. Welington tem bronquite. Além disso, deixaram de vender os produtos por quase dois meses. E mais: a prisão causou danos as suas imagens. Embora Welington tenha aceitado falar, Patrícia ainda está abalada psicologicamente. Ela preferiu se manter distante da entrevista.
No dia em que “caiu” em cana, alguns presos passaram a desconfiar. Com sotaque carioca e, ainda, acusado de carregar quase meia tonelada de cocaína, Welington passou a ser “investigado” pelos próprios detentos. “Eles achavam que eu era um grande traficante. Ao mesmo tempo em que desconfiavam que eu pertencia a outra facção, me respeitaram”, disse.
Além disso, Welington lembra que, nos três primeiros dias detido, ficou numa espécie de cela chamada "quadrante". “Fiquei sozinho, com fome, sede e muito frio. No dia da abordagem eu só tinha comido um pastel na hora do almoço. Fomos abordados de tarde e fomos parar na cela por volta das 23h”, disse. Segundo ele, pediu ao policial se poderia comer alguma coisa. “Ele disse que tinha somente água pra nos oferecer. Fiquei até o outro dia, ás 9 da manhã, sem me alimentar”, lembrou.
Na cela em questão, segundo ele, não havia nem ao menos papelão no chão para dormir. “Fiquei em pé, acordado a noite inteira. Tive que fazer minhas necessidades higiênicas em uma garrafa pet por três dias seguidos. Na cela não havia banheiro. Depois disso me colocaram junto a outros detentos. Mas não mudou muito. Tínhamos que dormir no chão, já que a cadeia estava super lotada”, informou.
Welington então passou a dormir num colchonete junto a outra pessoa, numa espécie de "Valete", com as cabeças opostas. Um pra cada lado, e de frente ao outro. Sem se mexer. “Eu tinha medo de dormir e não acordar. As condições de higiene eram muito precárias. Não desejo isso a ninguém. Foram os piores momentos da minha vida”, revelou.
Embora já esteja em liberdade, o casal está privado a vender os produtos. É que o carro apreendido, em outubro, ainda não foi liberado. No interior do veículo também estão aparelhos celulares, bolsas e outros pertences. “É o nosso único carro. Não estamos podendo viajar para comercializar o produto”, explicou Welington. Ainda ontem, a advogada do casal disse que irá entrar com processos indenizatórios. Ela também solicitou a entrega do veículo à justiça.
PRF
Em nota enviada, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que testes químicos realizados em substâncias suspeitas de conter drogas ilícitas, são amplamente utilizados por polícias em todo o mundo, inclusive pela PRF. O objetivo é identificar, de forma preliminar, possíveis indícios de conduta criminosa em fiscalizações de campo.
Nos casos em que o teste dê resultado positivo para substância ilícita, a PRF apresenta os indivíduos e substâncias suspeitas, à autoridade policial (delegado de Polícia Civil ou Polícia Federal). Segundo a PRF, são eles quem procedem a investigação do fato. “A identificação definitiva da substância é realizada pela perícia, no transcorrer da investigação. Por fim, frisamos que a manutenção de indivíduos suspeitos presos é uma decisão do Judiciário, analisando as informações apresentadas pela polícia judiciária e Ministério Público”, ressaltou o comunicado.
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