João, da casa 47, matou Jonas, da casa 52

João, da casa 47, matou Jonas, da casa 52
Ivanilton e Claudinéia: Dor que não passa
Por: Dilmercio Daleffe


Rua Bom Pastor. Vila Rural de Campo Mourão. Na casa número 47 reside João Paulo Pereira, de 37 anos. Na número 52, morava Jonas Ivan Gonçalves Viégas, de 11. Vizinhos, os dois se conheciam de longa data. Regularmente, o menino brincava no quintal do mais velho. É lá, onde 13 crianças da mesma família, os Pereira, dividem sete casas. Um terreno grande. Todos parentes. Jonas então se divertia durante as tardes com a turminha. Alguns de sua idade. Outros, não. Apesar dos dois se conhecerem, o contato entre eles não era direto. Mas no final da tarde da última sexta-feira, dia 17, algo aconteceu. João matou Jonas. Foram quatro facadas. Um crime sem explicação. Injustificável. Um homem tirou a vida de uma criança.

Naquele dia de sol forte e céu azul, em pleno inverno, Jonas e as 13 crianças brincavam no terreiro da casa 47. João se aproximou e esfaqueou a criança. À polícia, o assassino revelou ter sido xingado pelo menor. Todas as outras correram. Com medo, não acreditaram na cena de terror que assistiam. A gritaria despertou os adultos que estavam no interior das casas. Odete Pereira, 34, irmã de João, correu para ver o que acontecia. Viu o corpo da criança esfaqueado. Em meio ao sangue, o pegou e colocou no carro do marido. Mesmo próximos ao Hospital Santa Casa, não foi possível salvá-lo. Os ferimentos foram graves demais.

Enquanto a criança era levada, João fugia. Nem mesmo a polícia conseguiu localizá-lo. Ele trilhou uma estrada rural e ali desapareceu. Somente na manhã de domingo foi encontrado. Perambulava ainda sujo. Em um bairro da cidade, com a roupa do dia do crime. Calmo, confessou o crime e se entregou, sem reagir. Mais tarde, levou os policiais até o local onde jogou a faca. Preso, será encaminhado a um hospital psiquiátrico de Curitiba. Embora a maior pena ainda, deva acontecer dentro da própria consciência. Para ele, ser xingado e provocado por Jonas, foi o motivo de sua morte.

JONAS

Jonas era um menino bastante ativo. Uma espécie de líder da turma. Descontraído, inventava as brincadeiras. Adorava andar de bicicleta. Gostava de música. Ia as aulas de karatê. Estudava de manhã. Mas com a pandemia, sem aulas, a liberdade aumentou. Então, fazia de tudo. Se divertia na lavoura de soja, ao lado da casa 52. Era ali onde soltava pipas. Uma infância rica demais. Com muita inocência.

Conta a mãe, Claudinéia Gonçalves, 36, que o filho nasceu desafiando a morte. Veio ao mundo com pressa demais. Nasceu de seis meses. Pré maturo. Ainda quase morreu com o cordão umbilical apertando o pescoço. Venceu. Cresceu. Comunicativo, dizia querer ser pastor e policial. Mas os pais acreditavam que viria a trilhar pelas vias políticas mesmo. “Ele era demais. Conversava como adulto. Dava idéias. Convencia as pessoas”, disse a mãe. Jonas também gostava de frequentar a igreja. Um dos motivos pra virar pastor, um dia.

Criança esperta, sempre dizia á Claudinéia: “Me dá R$10 pra te dar um presente”?. E lá vinha ele trazendo alguma coisa. Mas naquela sexta, quem levou algo pra casa foram os irmãos. Era a notícia de que Jonas havia sido esfaqueado pelo homem. “Eu saí correndo pela rua até a casa 47. Vinham crianças correndo contra. Parecia uma guerra. Quando cheguei lá, não acreditei no que estava vendo”, lembra a mãe.

Claudinéia teve seis filhos. Jonas era o do meio. Até algum tempo, ainda trabalhava como auxiliar de cozinha. Mas com os filhos pequenos, virou do lar. Diz ter conhecido o marido, Ivanilton, 36, ainda aos quatro anos de idade. Mais tarde, frequentando aulas da Amecam, começaram a namorar. Casaram. Já se vão 20 anos de união.

Juntos, vivem numa casa em alvenaria, ainda por acabar, na Vila Rural. Uma família simples. Não têm luxo. Ivanilton trabalha na construção civil. Mas por estes dias não consegue sair da casa. A cabeça não está boa. Durante a entrevista chorou. Lembra do filho com bastante carinho. E fica a imaginar como serão os dias sem ele.

Ivanilton conta que, depois de enterrar Jonas, ainda no sábado, percorreu toda a cidade em busca do assassino. Queria fazer justiça com as próprias mãos. Quis o destino que os caminhos dos dois não se encontrassem. Mas agora, João está preso. E ele diz que nem isso trará paz ao seu coração. “Jonas não voltará mais. Não sabemos como tudo será. É um vazio muito grande”, diz.

Os pais lembram que João sempre passava em frente a casa 52. Pela manhã e a tarde. Disseram que o rapaz fazia caminhadas pela rodovia. Devido ao histórico violento, Ivanilton aconselhou os filhos a evitar contato com ele. “Pedia pelo amor a Deus que não ficassem próximos dele. Há alguns anos, tentou matar um outro rapaz aqui na vila”, afirmou. Mas, infelizmente, os apelos não foram ouvidos. Pelos menos, por parte de Jonas.

JOÃO

João Paulo Pereira tem 37 anos. Conta a família que teve uma vida normal até 2013. Foi quando tentou matar um outro rapaz, também na Vila Rural. Na época, discutiu e o feriu com uma faca de serra. Dessas da gaveta da cozinha de todas as casas. Apesar dos ferimentos não serem graves, foi acusado de tentativa de homicídio. Foi preso e permaneceu um ano no complexo penitenciário de Curitiba. Lá, identificado com esquizofrenia, foi transferido a uma outra instituição para presos com distúrbios mentais.

Retornou a Campo Mourão no começo de 2018. E, segundo a família, voltou pior. Apresentando dificuldades de relacionamento com a própria mãe, buscaram ajuda com um psiquiatra. Passou a tomar remédios. O que o deixava mais tranquilo. Mesmo assim, tinha atitudes incompreendidas pelos irmãos. “Ele pegava uma galinha e a comia crua. Só jogava a cabeça. Não entendíamos o que estava passando”, revela Odete, a irmã. Desde que voltou do regime penitenciário, João também apresentava atitudes de criança. De acordo com um dos sobrinhos, embora adulto, parecia que conversava com um menino.

Familiares alegam que o problema de João é sério. Um caso médico. Cientes disso, ele era submetido a uma espécie de “liberdade vigiada”. Sempre alguém ficava de olho no que fazia. “Mas infelizmente, a saúde pública do país não ajuda. Buscamos pedidos para novos exames para ele em janeiro. Até hoje, nada foi marcado”, disse um dos sobrinhos.

Antes de 2013, João levava uma vida completamente normal. Conta a mãe, Luzia, que o filho sempre trabalhou. Por volta de 2009, conseguiu uma vaga em uma boa empresa de Joinville, Santa Catarina. Então, apanhou a esposa e a filha, e mudaram para as terras catarinenses. Lá, mantinha uma casa e carteira assinada. Tudo seguia bem. Mas um dia a mulher pediu a separação. Foi o fim de João. “Depois disso ele voltou a Campo Mourão e nunca mais foi a mesma pessoa. Acho que isso mexeu com a cabeça dele”, acredita Luzia. Segundo informaram, ele não vê a filha há muitos anos. E ainda tem amor pela ex-mulher.

Desde 2018, João nunca mais pode trabalhar. Restrições médicas. Mas vinha confeccionando tapetes em casa. Também gostava de ouvir música e comer um churrasco. Mas na maior parte do tempo, ficava concentrado em seu próprio mundo. Introvertido, não falava muito.

Luzia Justina Pereira está com 69 anos. Aposentada. Nasceu em Guarapuava. E casou-se em Campina da Lagoa. O casal sempre viveu do campo. Há pouco mais de 20 anos vieram a Campo Mourão, fixando-se na Vila Rural. Mais especificamente, na casa 47, da rua Bom Pastor. Nome bastante sugestivo a um local de plena paz. Tiveram 14 filhos. A maioria continua morando junto, no mesmo terreno. São sete casas. Cerca de 30 pessoas, entre adultos e crianças. O marido de Luzia, João, morreu em 2000.

Diante da tragédia presenciada no próprio terreno, a família chora sem parar. Odete diz que não sente pelo irmão. Mas apenas pela criança. “Foi uma brutalidade. Ele tem que pagar pelo que fez”, diz. Conta que está sem dormir desde o dia do crime, tamanho choque recebido. “As cenas de terror nunca mais sairão da minha cabeça. Difícil de esquecer”, diz. Dona Luzia, sentada em sua cadeira, sob a sombra de uma árvore, ainda não acredita no que aconteceu. Ela lamenta. Principalmente, por Jonas. A quem tinha muito carinho e era tratada como avó.

Seja o que aconteceu na cabeça de João, ninguém da casa 47 sabe ainda explicar. Nem mesmo a igrejinha em frente à residência, localizada na rua Bom Pastor, conseguiu levar calma ao coração do filho. O rapaz frequentava o local. Muitas vezes até ajudava na limpeza. Mas agora, é tarde demais para compreender. Jonas está morto. E João, preso.


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